Dando continuidade à série multimídia As crises que venci, o entrevistado é o presidente do Conselho de Administração das Empresas Randon, David Abramo Randon. Comandante de um dos maiores conglomerados do ramo de implementos e autopeças do mundo, o filho mais velho do fundador, Raul Anselmo Randon, dedicou quase duas horas de uma quinta-feira para relembrar a superação dos momentos mais difíceis vividos na empresa da família. A maior parte do que tinha se preparado para relembrar não deu tempo de contar em 20 minutos de entrevista ao vivo na rádio Gaúcha Serra. Da sala de casa, já que no escritório o sinal de wi-fi não é tão estável, David detalhou um pouco mais das memórias de crises em uma transmissão ao vivo pelo pioneiro.com.
Nascido em Caxias do Sul, formado em Engenharia Mecânica pela PUC, iniciou suas atividades no grupo bem na época em que a Randon entrou em concordata, no início da década de 1980, processo que hoje seria a recuperação judicial. No ano passado, após 10 anos, deixou o cargo de CEO e assumiu o conselho. Quando tudo parecia mais calmo, depois da crise que considerou a mais grave, em 2014, veio a pandemia. Com a experiência de quem já esteve no comando em momentos difíceis, foi a vez de tranquilizar os executivos na tomada de decisões importantes, como parar as máquinas por 20 dias. Foi o momento de se reorganizar para a retomada que David pretende viver mais uma vez.
Qual foi a primeira crise que o marcou?
Entrei na empresa em uma das principais crises que tivemos, 82 marcou muito. Hoje temos 71 anos, então já tínhamos mais de 30 anos na época. O Brasil estava muito endividado. Nosso problema principal foi o racionamento de combustível, porque éramos muito dependentes de importação de petróleo. O nosso negócio reduziu, em meio ano, com 50% na venda dos produtos. Não tínhamos caixa, porque vínhamos dos Anos 70, que foram de crescimento. Mas a Randon conseguiu sobreviver porque tomou atitudes bem radicais na época. Meu pai, Raul Anselmo Randon, como comandante, teve uma dificuldade muito grande. Levou um ano e meio para reorganizar as empresas. Nós dependíamos 100% do mercado do Brasil. Aí criamos as concessionárias. A Randon era só implementos, não tinha autopeças. Entramos em concordata, era um meio que a gente tinha para ter prazo para pagar as dívidas, e conseguimos pagar quase seis meses antes do prazo final.
De todas as crises econômicas que a Randon enfrentou, qual foi a pior e por quê?
Em 1993 e 1994 teve a hiperinflação. Os mais antigos vão lembrar que foram sete planos até se chegar no Plano Real. Foi uma crise muito ruim. Nos anos 2008 e 2009, tivemos a crise dos Estados Unidos, imobiliária, quebrou bancos e nos afetou porque tivemos a falta de crédito. Mas a pior crise que a Randon passou foi a de 2014. Foi a pior crise no período mais recente. Só na área comercial, tivemos queda de 67%. E 2015 e 2016 foi uma época muito difícil. Tivemos que reestruturar todas as empresas, houve comoção das pessoas, tivemos que trabalhar junto com outras empresas. Começamos com férias, flexibilização, redução de jornada, e levamos praticamente seis meses para tentar entender como sair da situação que a Randon e todas as empresas se encontravam e deixar estruturalmente a empresa em uma situação para enfrentar o futuro. Mas o que fez com que sobrevivêssemos foi o que passamos na concordata. Voltando em 1982, nós tivemos um problema muito sério, tínhamos patrimônio, capital, mas não tínhamos dinheiro em caixa. Quando, em 2014, a crise começou, toda a direção viu que não ia ficar muito bem no futuro. Veio um gerente financeiro e comentou: “Hoje nós temos crédito e, independente do tamanho da dívida, vamos aos bancos buscar o máximo possível de dinheiro em caixa.” Colocamos mais de R$ 2 bilhões em caixa para poder sobreviver. É um giro muito grande, porque é bem de capital e afeta toda a cadeia. Prefiro ficar endividado, mas ter caixa para reestruturar todas as empresas. Mas foi bem complicado, porque víamos um túnel sem luz. Não sabíamos o quanto ia durar.
E como está o túnel na crise atual provocada por uma pandemia?
Ainda é muito cedo para termos uma análise mais profunda. Tenho falado com muitos empresários e dirigentes de empresas, principalmente da área financeira, e temos que administrar ela semana por semana. Vai mudar muito o status quo. As outras crises não têm nada a ver com essa. É uma nova experiência no mundo, não é o Brasil. Como empresários e população, estamos sentindo muitas adversidades entre governos. Quando iniciou em março, tentamos nos unir – sindicatos, prefeitura, trabalhadores – e tentamos nos organizar. Decidimos parar por um período. Por opção nossa, decidimos, uma semana e meia antes do Estado, de pararmos, um pouco contra a vontade de algumas pessoas. Mas melhor parar antes para se reorganizar para quando tiver a retomada. O pessoal da área executiva estava muito nervoso. E quando você está no conselho, é difícil tomar atitude. Mas eu dei o apoio para essa determinação de parar. O grande legado, como temos uma unidade da Fras-le na China, a experiência que tivemos lá fez com que olhássemos com carinho cada unidade, e nos ajudou a nos organizarmos aqui, onde há o maior volume de pessoas. Começamos com 25% do quadro e chegamos agora a 50%.