Marlisa Wahlbrink, mais conhecida pelo apelido Maravilha, viu de perto o início da profissionalização e agora assiste aos primeiros passos da valorização do futebol feminino brasileiro.
Natural de Constantina, no norte do RS, a mulher de 50 anos já viveu o sonho de jogar pela seleção brasileira de futebol e, hoje, atua como preparadora de goleiras das equipes sub-17 e sub-15 do país. Ela é a primeira mulher a ocupar o cargo na história das equipes femininas.
Dos 14 anos de carreira como goleira, 13 deles esteve na Seleção Brasileira. A primeira escalação veio logo no primeiro ano, em novembro de 1995, para participar das Olimpíadas de 1996.
De lá para cá, coleciona vitórias: levou o terceiro lugar na Copa do Mundo Feminina de 1999, e o bicampeonato sul-americano, em 1998 e 2003. Também participou dos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, e garantiu a prata em Atenas, em 2004.
O começo
Mas, antes do sucesso, Maravilha precisou enfrentar batalhas pessoais para seguir o sonho de jogar profissionalmente. Ainda na escola, organizada por movimentos populares gaúchos, praticava o esporte com os meninos. Foi aí que ouviu pela primeira vez que deveria se inscrever para testes de clubes profissionais.
Sem apoio do pai, Maravilha saiu de casa e foi acolhida por um amigo. O primeiro teste foi realizado no Cruzeiro de Porto Alegre, com chuteira e uniforme doados por comerciantes.
Mas a tentativa de se tornar atacante fracassou. Para não ter que voltar para casa, fez o teste para ser goleira. E passou. Ela foi aceita em junho de 1994 e, cinco meses depois, já estava contratada no Saad de São Paulo.
— Todo dia eu chegava mais cedo para treinar, enquanto trabalhava de empregada doméstica para me sustentar. Em um mês, tirei a posição da goleira que era titular há 10 anos. Lembro que eu pensava: 'alguém vai ver que tenho muita vontade e eu vou conseguir'.
Elas vão para a Copa
No Saad de São Paulo, um dos principais times femininos da época, Maravilha se destacou e, daí para frente, foi um pulo até chegar na Seleção Brasileira. A partir disso, porém, veio um novo desafio: competir com as melhores jogadoras do mundo — tão boas quanto ela.
Na minha época, as escolas davam bola de vôlei para as meninas e de futebol para os meninos
MARAVILHA
Ex-goleira da seleção
A goleira lembra que as equipes mal jogavam amistosos na década de 1990. Por isso, chegavam nas competições sem preparo. Sem a visibilidade dos canais de televisão, a equipe auxiliar era quase inexistente.
— Não tínhamos fisioterapia, nutricionista e nem GPS, o que não dava noção do nosso rendimento. Era muito na raça. Mesmo assim, tínhamos uma entrega muito grande, pois vivíamos sob ameaça: ou vencíamos ou o futebol feminino brasileiro acabava. E eu vivia no meu limite para isso não acontecer — relembra.
O comportamento em relação ao futebol feminino mudou muito desde então, o que dá mais incentivo ao esporte. Há 15 anos, mal se ouvia falar no assunto, diz a ex-atleta.
— Na minha época, as escolas davam bola de vôlei para as meninas e de futebol para os meninos. Hoje, em todos os cantos vemos uma menina querendo jogar, além de projetos nas escolas e prefeituras. Tem muita menina buscando um espaço que antes nem se comentava. A cada novo ciclo vemos uma evolução grande de preparo e interesse — disse Maravilha.
Isso se reflete na Seleção Brasileira de futebol feminino atual. Avaliando a atual Seleção, Maravilha diz que a evolução física e tática da equipe nos últimos quatro anos e vê potencial para o time chegar às finais da Copa do Mundo, que acontece na Austrália e Nova Zelândia.
— Mesmo que muitas estejam em sua primeira Copa, elas têm experiência e jogos muito bons. Basta ter preparo psicológico para enfrentar esses momentos, mas futebol elas têm para isso, sem dúvida — finaliza.
Diferente da década de 1990, quando Maravilha jogou pela seleção, a Copa do Mundo Feminina de 2023 reúne 32 seleções e já é o maior torneio feminino da história. A competição ganhou mais espaço na cobertura midiática e investimentos desde a última edição em 2019.