Um grupo de mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) se mobiliza através das redes sociais para conscientizar e reduzir os casos de bullying nas escolas, especialmente após o início do ano letivo. Até o momento, são 23 mães e três terapeutas.
A campanha surgiu após iniciativa da publicitária e médico gaúchos, Grazi Gadia e Carlos Gadia, criadores do projeto EyeContact — Lives Shaped by Autism (Contato visual — Vidas moldadas pelo autismo, na tradução literal), hoje baseados em Miami, nos Estados Unidos. A organização tem a missão de acolher famílias de crianças que estão dentro do TEA.
Caroline Luzzardi, mãe de Mateus, é uma das integrantes da campanha e ajuda a divulgar a ação nas redes sociais. O filho, de 14 anos, recebeu o diagnóstico de autismo com um ano e 11 meses e, atualmente, estuda em uma escola regular. Segundo ela, o objetivo da campanha é conscientizar a população sobre a necessidade de respeitar e entender crianças e adolescentes no TEA.
— Com a campanha, que tem como alvos principais escolas e famílias, esperamos diminuir significativamente o bullying, que é tão degradante. Além disso, esperamos tornar essa prática uma atitude vergonhosa e totalmente reprovada pela sociedade — disse.
Por enquanto, a campanha acontece exclusivamente através das redes sociais, com a veiculação de posts e vídeo-depoimentos. Segundo Caroline, o objetivo é não parar até que o número de casos diminua. Em 2019, quase um quarto (23%) dos alunos brasileiros admitiram que já sofreram bullying, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar.
"Escola tem que ser preparada"
Natural de Porto Alegre, o criador da campanha, médico neurologista Carlos Gadia, se formou pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1980. Nos Estados Unidos há pelo menos 40 anos, ele trabalhou no Hospital da Criança de Miami e é diretor associado do Dan Marino Center, centro de referência para a avaliação e tratamento de autismo e outras condições de neuro-desenvolvimento do Nicklaus Children’s Hospital.
Segundo ele, as escolas precisam se preparar para receber crianças no TEA — em todos os sentidos, não só no combate ao bullying. Tudo deve começar com a compreensão das características básicas das crianças e a evolução da compreensão das "regras do jogo social".
O especialista argumenta que muitas crianças e adolescentes autistas não conseguem compreender que estão sofrendo bullying justamente por não ter o mesmo filtro social de uma criança neurotípica. Segundo Gadia, menores dentro do espectro podem dizer "você é feio" sem o mesmo significado negativo que poderia haver em alguém que não convive com o transtorno.
— Mesmo as crianças (autistas) altamente funcionais, que têm capacidade cognitiva normal ou até mesmo acima do normal, têm enorme dificuldade de entender o que chamamos de regra do jogo social. Para elas tudo é muito literal, muito branco no preto, não existem nuances ou o entendimento de que palavras possam ter outros sentidos. Ao mesmo tempo, elas são extremamente influenciáveis, porque o desejo de ter uma interação social as deixa abertas e indefesas com relação à manipulação de outras crianças. Isso precisa ser compreendido pela escola — afirma Gadia.
A proximidade com o assunto fez com que a publicitária Grazi começasse a trabalhar no acolhimento das mães de crianças autistas que buscavam atendimento com o médico. Por isso, um dos pilares da campanha é a educação que começa dentro da família: o objetivo é estimular a compreensão que as pessoas não são iguais.
No centro, o casal orienta que as escolas se preparem para enfrentar o bullying especialmente com os adolescentes autistas. Isso porque é na adolescência que eles começam a se reconhecer como diferentes das demais pessoas — o que não significa que desejam se afastar do convívio social.
— Crianças e adolescentes autistas podem ter algumas características que outras pessoas neurotípicas não têm, mas são pessoas, é um ser humano que precisa respeito. Isso é básico, tem que vir da família. Crianças e adolescentes do espectro com nível de funcionalidade mais alta, que não afeta o sistema cognitivo, acabam compreendendo que não são bem-vindos e, ao mesmo tempo, não entendem o porquê. A questão é: só por que são diferentes? Precisamos lembrar: todos nós somos diferentes — pontua Grazi.