O número de estrangeiros contratados com carteira assinada em Passo Fundo, no norte gaúcho, cresceu 215% nos últimos dois anos. Em 2024, 1.039 pessoas de fora do país foram admitidas em empresas da cidade entre os meses de janeiro e maio — mais que os 329 contratados no mesmo período em 2022.
O dado divulgado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do governo federal também mostra saldo positivo no número de admissões e demissões, de 70 em 2022 e 431 em 2024. Na prática, migrantes que vivem em Passo Fundo são mais contratados que demitidos.
Ainda que o número reflita um cenário aberto à contratação dessa população, os cargos ocupados seguem o mesmo padrão há anos: a maioria trabalha em frigoríficos e estoques, em especial nas vagas que demandam pouca comunicação ou necessitam do conhecimento de quem vem de países muçulmanos, como o abate halal.
Em geral, são funções que não costumam exigir alta qualificação — o que não significa que os migrantes empregados não sejam profissionais habilitados. É comum que estrangeiros cheguem no Brasil apenas com o diploma e enfrentem a burocracia para validar e reconhecer esses documentos.
— O sistema brasileiro pede informações difíceis de serem acessadas à distância, como corpo docente (do curso), projeto pedagógico e disciplinas. É surreal pensar que um refugiado conseguiria isto, pois seus países estão com as estruturas destruídas. Ou, em alguns casos, é preciso pagar caro para ter acesso à papelada. Tudo para eles é uma luta — explica Patrícia Noschang, coordenadora do Balcão Migrante e Refugiado da Universidade de Passo Fundo (UPF).
A dificuldade faz com que Passo Fundo tenha pessoas com altos níveis de capacitação trabalhando fora de sua área ou até mesmo desempregadas. É o caso da cubana Annarella Cruz, 37 anos, que espera pelo reconhecimento do diploma em Enfermagem há três anos, desde que chegou em Passo Fundo.
— Recentemente recebi o retorno de que meus documentos teriam ido para uma pré-análise, com prazo de 30 dias para atualização, que já se passaram e até agora nada. É uma situação bem difícil porque não consigo emprego na minha área e nos agarramos na fé para que um dia possa regularizar — disse.
Frigoríficos são os que mais contratam
À frente do Balcão do Migrante e pesquisadora da área do Direito, Patrícia identifica que a inserção de quem vem de fora começa “explosivamente” nos frigoríficos de corte de carne bovina e de frango, onde trabalham direcionados à venda para o mercado árabe.
— Países majoritariamente muçulmanos só aceitam a importação de carne que siga o procedimento do abate halal (sem sofrimento do animal e seguindo as leis do Alcorão). Os frigoríficos se adaptaram a isso e potencializaram a contratação de muçulmanos, que viram fiscais do corte halal — explica.
Também há a facilidade de contratação em estoques do setor hospitalar, distribuição, atacados e farmácias da cidade.
— Estas são vagas de serviço repetitivo, que não se fala com ninguém e, assim, não há o entrave cultural ou de língua. Recentemente, temos começado a ver os imigrantes ocupando vagas em que eles aparecem, como em caixas de supermercado. Mas é um movimento muito devagar — pontua a pesquisadora.
Um exemplo de quem seguiu esse ciclo de oportunidades em Passo Fundo é a venezuelana Diana Jimenez, 22 anos. No Brasil há sete meses, ela buscou a cidade seguindo o caminho da mãe, que já havia imigrado. Sem conseguir validar a experiência como comissária de bordo, começou trabalhando em uma sala de corte em um frigorífico e hoje é operadora de caixa em uma rede de supermercados.
— Deixei meus avós em Ciudad Bolívar e vim em busca de melhorar minha vida. Tive dificuldade com a língua, mas hoje consigo trabalhar direto com o público, assim aprendo a me comunicar melhor. Futuramente sonho em seguir minha carreira aérea, mas por enquanto vou me estabilizar e ajudar a família — disse.
Na mesma empresa, o funcionário do setor de e-commerce Sani Biagui, 25 anos, saiu há três anos de Benin, na África, pela vontade de conhecer uma cultura nova. No Brasil, passou por outros estados como Rio Grande do Norte e São Paulo até se fixar em Passo Fundo. Fluente em quatro línguas, incluindo português, ele teve a primeira oportunidade em um frigorífico da cidade e trabalha há dois meses no supermercado.
— Quero seguir minha vida no Brasil, por opção, porque sinto que o país me acolheu. Acho aqui uma cidade calma e tenho uma boa convivência com as pessoas. Devo voltar apenas para visitar minha família, mas gosto da vida que tenho aqui — pontuou ele.