Com milhares de livros vendidos no Brasil e outros 14 países, o escritor e roteirista Raphael Montes desembarcou pela quinta vez em Passo Fundo. Ele chegou à cidade nesta sexta-feira (12) com a palestra Entre Páginas e Roteiros, em duas sessões promovidas pela Livraria Delta no Cine Laser.
Doze anos após a publicação de seu primeiro romance policial, Montes, que também é autor de Bom Dia, Verônica, Uma Família Feliz e Jantar Secreto e roteirista do filme A Menina Que Matou Os Pais, compartilha com o público seu processo criativo para contar boas histórias.
Antes do evento, o escritor conversou com GZH sobre a vontade de participar da Jornada de Literatura de Passo Fundo e onde busca referências para escrever. Confira a seguir.
GZH: na quinta visita a Passo Fundo, qual a sua relação com a Capital Nacional da Literatura?
Raphael Montes: quando comecei a minha carreira de escritor, ouvia muito falar da Jornada de Literatura aqui de Passo Fundo. Nunca participei, porque, desde então, não tem mais. Participei já da Feira do Livro, já fui à universidade, fiz eventos aqui.
Tenho a sensação de que, para fazer a literatura chegar nas pessoas, a gente precisa de figuras animadas e inquietas, que organizam eventos e que mostram que a literatura é algo que idealmente faz parte do nosso cotidiano.
É como almoçar, tomar banho. Você toma banho todo dia? Você almoça todo dia? Você pensar, ler e conversar sobre um bom livro com amigos deveria ser algo cotidiano. Fico muito feliz de estar de volta na cidade em um evento promovido por uma livraria.
GZH: as suas obras têm muita inspiração do cotidiano. Como trabalha essa adaptação, dando um novo olhar para as coisas do dia a dia?
Raphael Montes: acredito que a arte ajuda a criar imaginário. O nosso imaginário, de vários lugares do mundo, vem de histórias que a gente escuta. Eu não tinha ido à Nova York quando era criança, por exemplo, mas adorava filmes de suspense. Eu conheci Nova York sem nunca ter ido. O mesmo a gente tem no Brasil com algumas regiões. Jorge Amado fez o nosso imaginário de Bahia, Érico Veríssimo, o Rio Grande do Sul. Gosto muito dessa ideia de que, através de uma narrativa, uma história, um personagem, você toca uma pessoa, incomoda, faz pensar, fica nervosa.
Quando comecei a escrever histórias policiais, me diziam que não havia como fazer literatura policial no Brasil, porque é um país muito alegre, não combina com história de crime. Eu falei: "não, a gente pode fazer um romance com a alma brasileira". Jantar Secreto, por exemplo, é uma história que tem muito esse jeitinho brasileiro. O Bom Dia, Verônica fala de questões sociais e Uma Família Feliz fala dessa pressão por uma vida perfeita que uma certa classe brasileira exige do outro, dessa espécie de vigilância, de fingir que está tudo bem. Acho que o Brasil, na verdade, me inspira muito a contar histórias policiais.
GZH: sobre seu processo criativo e o tema da conversa de hoje, quando você escreve, já pensa em uma adaptação audiovisual dos conteúdos? Ou é o Raphael o escritor e o roteirista vem depois?
Raphael Montes: no geral, tenho ideias de histórias que quero contar. Essas histórias podem ser livros, filmes, séries, novelas. Começo pela história que quero contar, e daí me pergunto: "é um livro, é um filme, é uma série?". Às vezes, percebo que aquela história serve a duas mídias, daria um bom filme e um bom livro.
Quando acontece, faço um exercício (que, para mim, é a parte mais divertida do trabalho) de pensar: se essa história que imaginei for um livro, como é o livro? O que torna literatura e não ser cinema? Vou buscando o que cada narrativa tem de especial. Ainda que o objetivo de um livro e de um filme seja o mesmo, as ferramentas são diferentes. Quando fui fazer Uma Família Feliz, tive uma ideia e não sabia se era um livro, um filme, uma série, não sabia o que era.

GZH: das obras que já foram adaptadas para série, filme e teatro, tem algum personagem que o ator conseguiu ampliar e ficou maior do que era no livro?
Raphael Montes: acontece com frequência, mas vou citar duas pessoas: Grazi (Massafera), que fez o filme Uma Família Feliz e ampliou a personagem, que não estava no livro. Imaginava a Eva que ela realizou no cinema e tive a chance de escrever o livro. A personagem ficou muito rica a partir de muita coisa que a própria Grazi trouxe.
Vou citar também a Camila Morgado, que fez a Janete do Bom Dia, Verônica. Quando o nome dela surgiu, não combinava nada com o perfil que eu imaginava para a personagem que vinha do livro. Ela trouxe outras camadas e uma força impressionante para Janete, sem dúvidas, uma surpresa muito boa.
GZH: o gênero policial e o true crime são muito consumidos por mulheres no Brasil. Como você avalia o interesse desse público por um conteúdo que costumava ser tão nichado e agora virou pop?
Raphael Montes: mesmo na época em que era nichado, e hoje, sempre foi um conteúdo muito mais consumido por mulheres. Elas são mais cultas do que os homens, mais interessantes e inteligentes. Para mim, é basicamente um fato. A mulher tem mais empatia. Por isso, se interessa em ler histórias de outras pessoas. Ler uma narrativa e se entregar à emoção. O homem, por vezes, é muito fechado na emoção.
Tem mil teorias de por que mulheres preferem ler histórias de crime. Algumas pessoas falam que é porque a mulher é, sem dúvida, a que mais sofre violências na nossa sociedade. As mulheres gostam de ler esse tipo de narrativa por uma espécie de curiosidade, para tentar entender algo que elas não entendem. Faz algum sentido para mim.
Acho que escrevem melhor também literatura policial. Os meus autores favoritos de histórias policiais são mulheres: Agatha Christie, Patricia Highsmith, Patrícia Melo, no Brasil, que é maravilhosa. Fred Vargas é uma autora francesa que eu adoro.
GZH: e como é para o Raphael ser referência? Ser um autor e roteirista cujas obras estão em outros países, que conseguiu romper as fronteiras do Brasil?
Raphael Montes: acho que o artista não pensa nessas coisas. Eu comecei a publicar muito jovem, tenho hoje 33 anos e vejo muitos jovens autores falando que inspiro sua carreira.
Fiz uma carreira através dos livros e, claro, com muita ajuda, muitas editoras, mas foi construída pelos leitores, pelos livreiros, livrarias que me incentivaram. Essa espécie de construção que fui fazendo inspira muita gente.
Quando faço, não penso em nada disso. Penso em contar a história que eu gostaria de contar. Mas, claro, fico muito feliz que as pessoas gostem e que também inspirem outras pessoas a criar também.
GZH: falando em criar, já tem a próxima grande história?
R: sempre, claro! Já estou escrevendo um livro novo e uma série nova.