O Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2024, publicado ontem, mostra uma reconfiguração dos crimes contra o patrimônio no país nos últimos anos. É uma mudança que traz novos desafios à atuação policial, às empresas e à sociedade. As estatísticas de 2018 a 2023 mostram uma queda dos roubos e um aumento acelerado dos estelionatos, em especial os cometidos por meios eletrônicos.
As estatísticas mostram uma queda dos roubos e um aumento dos estelionatos, em especial os cometidos por meios eletrônicos
O estudo, conduzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que as linhas de tendência dos dois crimes se cruzam em 2020, o que indica um ponto de virada relacionado ao isolamento social forçado pela pandemia. Por certo também é consequência da transformação digital, fruto da massificação do uso de smartphones e de plataformas virtuais.
Foi uma revolução da qual os criminosos também souberam tirar proveito. Para os bandidos, cometer um delito eletrônico envolve muito menos riscos de prisão e à integridade física na comparação com um assalto a um estabelecimento comercial, por exemplo. Os ganhos potenciais são maiores. Inúmeras tentativas de golpes podem estar em curso ao mesmo tempo. Ademais, a pena é inferior a de roubos.
Foram mais de 1,9 milhão de estelionatos registrados no Brasil em 2023, ante cerca de 400 mil em 2018. Os roubos, no sentido inverso, caíram de 1,5 milhão para 870 mil. As estatísticas específicas sobre estelionato por meio virtual são prejudicadas pelo fato de que nem todos os Estados fazem esse recorte. O Rio Grande do Sul passou a ter dados com essa tipificação há apenas um ano. Mesmo assim, as informações disponíveis mostram que no país, enquanto os estelionatos totais cresceram 8,2% na passagem de 2022 para 2023, os crimes virtuais subiram 13,6%. Não deve ainda ser descartada uma grande subnotificação. Os brasileiros deparam diariamente com tentativas de fraudes em e-mails com links maliciosos cada vez mais sofisticados, que buscam se apropriar de dados, sites falsos e mensagens insidiosas disparadas por aplicativos. Um clique por engano pode significar um prejuízo financeiro significativo.
Essa migração exige precauções e medidas. De um lado, torna-se essencial melhorar o letramento digital da população, em especial de pessoas mais idosas, sem a mesma facilidade de lidar com a tecnologia e perceber armadilhas na comparação com os jovens. Os cidadãos precisam saber se proteger melhor. De outra parte, o FBSP nota que, no Brasil, ainda é baixo o investimento de empresas em cibersegurança para evitar fraudes. É outro aspecto a se avançar.
Em relação à atuação do poder público, é fundamental elevar a capacidade de investigação de crimes do gênero, responsabilidade das polícias civis – ao contrário dos demais crimes violentos em que a atuação ostensiva das polícias militares também é basilar. Órgãos de investigação criminal devem ter acesso aos meios tecnológicos adequados e dispor de equipes treinadas e aptas a desarticular quadrilhas e localizar indivíduos dedicados a esse tipo de delito. É cabível, ainda, analisar o que pode ser aperfeiçoado em termos de legislação sobre o tema. Não deve ser esquecido que esses delitos também ajudam a financiar e a fortalecer as grandes facções criminosas.