É prematuro tentar fazer uma análise definitiva sobre o legado da Lava-Jato e seu poder transformador dos hábitos e destinos do Brasil. Mas é certo que a operação, uma das maiores já observadas no mundo contra um esquema de corrupção enraizado que contaminou os principais partidos, contribuiu de forma decisiva para a população despertar para o estrago imposto por relações viciadas entre políticos e o poder econômico agarrado a meios espúrios para vencer concorrências de forma desleal.
O que não pode prosperar é a desmoralização da operação por motivos inconfessáveis
Mesmo que seja necessário reconhecer o caráter meritório da força-tarefa, é impossível ignorar uma série de equívocos e exageros. Sob holofotes e aplausos, podem ser questionadas, por exemplo, as extensas prisões preventivas para forçar delações e até a proposta de procuradores de gerir um fundo de R$ 2,7 bilhões, com recursos oriundos da Petrobras, para combater a corrupção, numa virtual estrutura paralela à do Estado.
Mas erros e abusos pontuais são coadjuvantes de um patrimônio judicial extraordinário, como 155 pessoas condenadas ao completar cinco anos, entre elas políticos e empresários que pareciam intocáveis, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o herdeiro da maior empreiteira do Brasil, Marcelo Odebrecht. Foi benéfica ainda a disseminação de preocupação maior com licitações, contratação de obras, liberação de recursos públicos e governança de importantes estatais, nas quais antes reinavam negócios de pouca lisura e prejudiciais às próprias empresas.
O vazamento das conversas de integrantes da Lava-Jato inevitavelmente coloca a operação diante do espelho – uma circunstância, aliás, também observada na Operação Mãos Limpas, na Itália, que serviu de inspiração para a força-tarefa sediada em Curitiba. É notório que seus membros mais ilustres vêm sofrendo desgastes e perda de energia, motivados pela própria escassez de novos alvos célebres, pela saída de integrantes-chave e até pelo próprio cansaço natural.
O grande problema da desaceleração da Lava-Jato, agora mais acentuada, é que o clube dos atingidos, disfarçada ou abertamente, trabalha não só para suspender os efeitos jurídicos da operação como se movimenta para que aquele velho Brasil do toma lá dá cá volte a prosperar e a ditar as normas de relacionamento no setor público.
É compreensível que, mais dia, menos dia, a Lava-Jato se transforme em livro de História. Mas, para a sanidade da coisa pública brasileira, o que não pode prosperar é a sua desmoralização, forçada com objetivos evidentes, mas inconfessáveis.