A economia dá sinais de melhora, mas a política insiste em complicar. A impaciência chega a credores e grandes empresários que apostavam num governo respaldado pelo impeachment para implementar as reformas liberalizantes, como trabalhista e previdenciária. Raymundo Faoro usava a metáfora da "viagem redonda" para ilustrar a história brasileira. Esta não significa apenas que se "anda em círculos", com mudanças aparentes que retornam ao mesmo lugar, mas também que sempre há a frustração em torno de um futuro que não se realiza. Um eterno vir-a-ser que traz pessimismo, sensação de impotência e de atoleiro. Algo como vivemos hoje.
Se tais reformas impopulares exigem governo com alta credibilidade e legitimidade, Temer nunca poderia contar com esta última, pois assumira, como vice, o mesmo programa de Dilma. Restava a credibilidade, mas ele insiste em fazer tudo ao contrário. Cada dia fica visível que o impeachment não era para mudar a política econômica: Joaquim Levy já vinha cumprindo tal tarefa. Nem para moralizar a política, como acreditavam os que protestaram nas ruas, pois os nomes mais expressivos do ministério foram recrutados entre implicados na Lava-Jato. Se o mercado queria as reformas, os políticos recém convertidos ao liberalismo de fachada buscavam tão somente salvar-se da cadeia. Boa parte da oposição se cala, pois políticos petistas também estão no mesmo barco.
O mais grave é que começa afetar a credibilidade do STF. Claro que nenhum membro deste é neutro ou desprovido de ideologia, mas daí a optar por seu próprio ministro, mesmo em que pesem denúncias sérias, é no mínimo pisotear em vários candidatos com currículo mais encorpados e expor-se à opinião pública. Temer, político experiente, não se desgastaria por pouca coisa. Assistimos ao degradante espetáculo envolvendo os três poderes: senadores arguindo candidato, indicado pelo Executivo, ao órgão máximo do Judiciário, e que será juiz dos próprios réus, hoje responsáveis por sua ascensão ao cargo. Péssimo para a democracia, pois o STF é o principal fiador do estado de direito.
A "viagem redonda", percebem os agentes econômicos, faz a mobilização pró impeachment voltar à estaca zero. E quando cair a ficha dos que foram às ruas ao perceberem que a mobilização não era para defender a moralidade, mas exatamente o contrário, o cenário de incerteza será ainda maior. Fiquemos atentos: a metáfora de Faoro não significa determinismo, me sempre se retorna ao mesmo lugar.