O ex-ministro Delfim Netto é considerado grande frasista. Atribuem-se a ele: "o bolo precisa crescer para depois distribuir" e "reforma agrária é coisa de economista desocupado", entre outras. Adiante ele até nega a autoria, mas Delfim faz parte de uma figura em extinção: o polemista – e, como Paulo Francis, realiza-se com isso.
Agora passou a usar o neo-logismo "austericídio" para designar a fé na austeridade a qualquer custo, como se fosse possível o governo ignorar as mediações políticas. A austeridade impõe ganhadores e perdedores, e por isso é suicida e inviável nas sociedades democráticas sem prévia negociação. Mas, para o austericida, voltar atrás ou ir devagar significa fraqueza ou capitulação. A teoria é dogma, e a economia possui leis "necessárias e intransponíveis como as leis da gravidade". Vive no mundo da abstração. É frequente encontrar o tipo não só no meio acadêmico, onde mais transito, mas também no mercado financeiro, principalmente entre yuppies e jovens nervosos.
O austericida intitula-se liberal, mas tem aversão às negociações. Sindicatos lhe dão arrepios: são corporativistas. A política é sempre complicada, e o ideal talvez fosse o praticado por Pinochet: a economia de Chicago com a política de Mussolini. A democracia e a Constituição só complicam: estabelecem regras, engessam decisões. Seja qual for a situa- ção do país, e mesmo com desemprego e recessão, o austericida apregoa o corte como solução. Quando não dá certo, o que é frequente, argumenta que a dose teria de ser maior. Esquece que a diferença entre remédio e veneno é a dose.
O remédio, aliás, é sempre o mesmo, mesmo que os problemas variem. Para ele, a inflação é sempre de demanda, e as crises existem porque os governos se desviam de seus modelos. Delfim debocha da crença de que o simples corte de gastos é capaz de criar ambiente de confiança para a retomada do crescimento em expectativas racionais e de que as taxas de juro e câmbio não devem ser manipuladas pelos bancos centrais.
Perto de completar nove décadas, Delfim esbanja experiência sem papas na língua e sem temer qualquer rótulo. Sua ironia é sempre certeira e ferina. É terrível, na profissão, ter-lhe em posição oposta. Já passei por isso muitas vezes e respiro aliviado por momentos, como este, em que compartilhamos o mesmo ponto de vista.