Avitória do Brexit no Reino Unido permite várias leituras. Mas poucas associaram-na a um refluxo das teses liberais, inspiradoras de políticas no mundo inteiro a partir da década de 1980 e parcialmente abaladas pela crise de 2008. Desde esse ano, os países da União Europeia (UE) estão com economia estagnada. Aumentou a concentração de renda e escassearam postos de trabalhos. O sonho liberal, ao criar-se a UE, era de integração fundada na liberdade de trânsito de bens, serviços, capitais e pessoas. A barreira ocorreu não só nesta última, com a aversão à imigração alimentada pelo desemprego, mas também nos bens e serviços: pequenos empresários de comércio, agricultura e indústria temem a concorrência dos demais membros do bloco. O mapa dos votos ilustra a força do interior para explicar a vitória da saída. A crise fomenta o espírito de proteção e não de liberalização.
Plebiscitos como esse demarcam não só perdedores e vencedores, mas os que têm expectativas de perder e ganhar. Esses últimos são cada vez menos. Os tradicionais conceitos de esquerda e direita complicaram-se. A derrota abrange lados opostos: o capital financeiro, posto que a City londrina desde sempre defendeu a liberalização comercial e dos capitais; mas também os trabalhistas e a esquerda moderada do continente, os quais veem a integração como um ideal pacifista e de aplainar desigualdades.
A "nova esquerda", como o Podemos espanhol, e os grupos mais radicais, como na França, revoltam-se contra o desmantelamento do Estado de bem-estar social: as exigências da UE emergem como vilões, como ocorrera na Grécia. Já a direita liberal-conservadora, como Cameron e Merkel, perde espaço para a xenófoba, avessa ao liberalismo econômico e imigratório, inclusive com retórica crítica às megaempresas e ao capital financeiro. Um ambiente de nacionalismo e racismo crescentes: a lembrança da década de 1930 não é apelativa. E o fenômeno não é desprezível, haja vista que outros países, como Holanda ou França, já cogitam plebiscito semelhante. Sem esquecer que Trump, vitorioso ou não, já derrotou internamente o liberalismo da cúpula republicana e incorporou à agenda americana valores muito parecidos aos vencedores do plebiscito.