
O Rio Grande do Sul e a Europa dividiram uma angústia em comum em 2024: separados por milhares de quilômetros, o Estado gaúcho e o continente europeu foram devastados por enchentes históricas no último ano – que também foi o mais quente já registrado no mundo, conforme dados do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia, e Organização das Nações Unidas (ONU).
A elevação do nível dos rios provocou 182 mortes no Rio Grande do Sul durante a enchente de maio, além de desabrigar outras milhares de pessoas. Na Europa, as enchentes do último ano afetaram 413 mil pessoas e causaram a morte de pelo menos 335.
Relatório publicado pelo Copernicus nesta terça-feira (15), em parceria com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), aponta que 2024 foi um dos 10 anos mais chuvosos no continente europeu desde 1950.
Da cheia do continental Rio Danúbio, que arrastou tudo em seu caminho, às inundações devastadoras na região espanhola de Valência, que deixaram centenas de mortos, as chuvas colocaram a rede fluvial da Europa à prova.
Foram "as enchentes mais intensas" que a Europa já viu "desde 2013", disse em uma coletiva de imprensa Samantha Burgess, do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF), responsável pelo Copernicus.
Os danos são avaliados em 18 bilhões de euros (cerca de R$ 116 bilhões, na cotação atual). Os desastres ocorreram no ano mais quente já registrado no mundo.
Tempestades intensas
Segundo climatologistas, um planeta mais quente, que acumula mais água em sua atmosfera, sofre chuvas mais violentas e inundações.
Em setembro, a tempestade Boris despejou em apenas cinco dias o nível de chuvas esperadas para três meses em países do centro e leste europeu. As inundações, que atingiram regiões da República Tcheca, Polônia, Áustria e Romênia, deixaram 24 mortos na época.
Um mês depois, fortes tempestades alimentadas pelo ar quente e úmido do Mediterrâneo resultaram em chuvas torrenciais na Espanha, causando inundações devastadoras em Valência e matando 232 pessoas.
Recordes climáticos e meteorológicos
A Europa registrou enchentes significativas em cada um dos cinco primeiros meses de 2024, aponta o relatório. Em janeiro, a água avançou em regiões do Reino Unido; em fevereiro, no norte da Espanha; em março e maio no norte da França e junho na Alemanha e Suíça.
O fluxo dos rios foi excepcionalmente alto. Alguns, como o Tâmisa, no Reino Unido, ou o Loire, na França, atingiram seu nível mais alto em 33 anos durante a primavera e o outono do Hemisfério Norte.
As chuvas foram especialmente intensas no oeste da Europa, enquanto os países do leste, em média, apresentaram temperaturas mais secas e quentes.
Esse "forte contraste" não está diretamente ligado à mudança climática, mas aos sistemas de pressão opostos que influenciam a cobertura de nuvens e o transporte de umidade, explicou Burgess.
No entanto, as tempestades de 2024 foram "provavelmente mais violentas devido a uma atmosfera mais quente e úmida", explicou.
— Com o aquecimento global, estamos testemunhando eventos extremos mais frequentes e intensos.
Aquecimento duas vezes mais rápdio
Os dados confirmam as projeções dos especialistas climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), segundo os quais a Europa é uma das regiões onde o risco de inundações mais aumentará devido ao aquecimento global.
Desde a década de 1980, a Europa vem se aquecendo duas vezes mais rápido que a média mundial. É "o continente que mais está esquentando", tornando-se um dos "pontos quentes" da mudança climática, destaca Florence Rabier, diretora do ECMWF.
Em 2024, o calor na superfície do continente atingiu níveis jamais vistos. Isso contribuiu para o aumento das temperaturas nos mares e oceanos, que também atingiram níveis recordes no ano passado, e para o derretimento das geleiras europeias a um ritmo sem precedentes.
— É urgente agir, dado que a gravidade do risco pode atingir níveis críticos ou catastróficos até meados ou o final do século — disse Andrew Ferrone, coordenador científico da UE na ONU Clima.
Apenas metade das cidades europeias têm planos de adaptação para enfrentar eventos climáticos extremos, como inundações e ondas de calor.
"Isso representa um progresso encorajador em comparação aos 26% em 2018", observa o relatório.
— Mas alguns países do sudeste da Europa e do Cáucaso do Sul estão ficando para trás. Por isso, precisamos avançar mais rápido, ir mais longe e juntos — destacou Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.