A pequena e verdejante comunidade de Nguyen Thi Kim, no norte do Vietnã, não existe mais - foi varrida por um deslizamento de terra causado pelas chuvas torrenciais do tufão Yagi no ano passado.
Ela e dezenas de sobreviventes foram realocados para um local que as autoridades esperam que resista a futuros desastres ligados às mudanças climáticas, com casas mais resistentes, canais de drenagem e uma topografia mais suave que reduz os riscos de deslizamentos de terra.
É um exemplo dos desafios que comunidades em todo o mundo enfrentam para se adaptar às mudanças climáticas, incluindo chuvas mais intensas e enchentes repentinas como as trazidas pelo tufão Yagi no ano passado.
Kim perdeu 14 parentes e sua tradicional casa de madeira sobre palafitas quando as chuvas do Yagi desencadearam um deslizamento que engoliu grande parte da vila de Lang Nu, na província montanhosa de Lao Cai, em setembro passado.
A tempestade foi a mais forte a atingir o Vietnã em décadas, matando pelo menos 320 pessoas no país e causando perdas econômicas estimadas em 1,6 bilhão de dólares (R$ 9,4 bilhões).
No entanto, é improvável que tenha sido um caso isolado, com pesquisas no ano passado mostrando que as mudanças climáticas estão fazendo com que os tufões na região se intensifiquem mais rapidamente e durem mais tempo em terra firme.
As mudanças climáticas, causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, afetam os tufões de várias maneiras: uma atmosfera mais quente retém mais água, resultando em chuvas mais intensas, e oceanos mais quentes também ajudam a alimentar tempestades tropicais.
Kim ainda está traumatizada com o deslizamento.
Ela diz que tudo é doloroso, especialmente a lembrança do momento em que uma torrente de lama a arrastou junto com sua filha de dois anos.
"Esse desastre foi grande demais para todos nós", disse ela, lembrando o momento em que as duas foram retiradas da lama horas depois.
"Eu ainda não consigo falar sobre isso sem chorar. Não consigo esquecer", disse a mulher de 28 anos à AFP.
- "Precisamos mudar" -
Yagi atingiu o Vietnã com ventos acima de 149 quilômetros por hora e trouxe um dilúvio de chuva que causou inundações destrutivas em partes do Laos, Tailândia e Mianmar.
Em Lang Nu, 67 moradores morreram, e as autoridades prometeram reconstruir as casas dos sobreviventes em um local seguro.
Em dezembro, 40 novas casas estavam prontas em um local a cerca de dois quilômetros de distância.
O local foi escolhido por sua elevação, menos impactada por riachos próximos, e sua inclinação relativamente suave.
"Prever segurança absoluta em geologia é, na verdade, muito difícil", disse Tran Thanh Hai, reitor da Universidade de Geologia e Mineração de Hanói, que participou da escolha do novo local.
Mas o local é seguro, "segundo nosso melhor conhecimento e entendimento".
Lao Cai é uma das áreas mais pobres do Vietnã, com pouco dinheiro para sistemas caros de alerta.
No entanto, um sistema simples de drenagem passa pela nova comunidade, desviando a água da encosta.
Isso deve reduzir a saturação do solo e as chances de outro deslizamento, segundo cientistas que trabalharam no local, disseram à AFP.
As novas casas da vila também são todas construídas com concreto mais resistente, em vez da madeira tradicional.
"Queremos seguir nossas tradições, mas se não for mais seguro, precisamos mudar", disse Kim, olhando para a extensão de lama e rochas onde sua antiga vila existia.
Meses depois, o local permanece congelado no tempo, espalhado com brinquedos infantis, panelas de cozinha e capacetes de moto presos no deslizamento.
- "O terreno mais seguro para nós" -
Como Kim, Hoang Thi Bay, de 41 anos, agora vive na nova vila em uma casa moderna sobre palafitas com vigas estruturais de aço.
Seu telhado, antes feito de folhas de palmeira, agora é de zinco corrugado, e suas portas são de vidro e alumínio.
Ela sobreviveu ao deslizamento agarrando-se desesperadamente a um único pilar de concreto em sua antiga casa enquanto uma parede de lama e pedras varria sua vizinhança.
"Acordo à noite ainda obcecada pelo que aconteceu", disse ela à AFP.
"Nossa casa antiga era maior e mais bonita, com jardins e campos. Mas durmo aqui na nova casa e me sinto muito mais segura", afirmou.
Mesmo no novo local, que abriga cerca de 70 pessoas, há riscos, alertou Hai.
O desenvolvimento que altera o grau de inclinação da encosta, ou a construção de barragens ou reservatórios na área, pode tornar a região mais propensa a deslizamentos de terra, disse ele.
Construir mais casas ou novas estradas na área imediata, ou perder a cobertura florestal protetora que mantém o solo no lugar, também pode tornar o local inseguro, acrescentou Do Minh Duc, professor do Instituto de Geotecnia e Meio Ambiente da Universidade Nacional do Vietnã em Hanói.
Yagi destruiu grandes áreas de floresta natural madura em Lao Cai e, embora empresas privadas tenham doado árvores para o reflorestamento, não está claro se elas fornecerão muita proteção.
"Em termos de prevenção de deslizamentos, a única floresta que pode ter bons efeitos [de proteção] é a floresta tropical com uma densidade muito alta de árvores, a chamada floresta primária", explicou Duc, especialista em mapas de risco de desastres que também ajudou na escolha do novo local.
Deixar a antiga comunidade foi difícil para Kim, cuja família viveu e cultivou ali por quase meio século.
Mas ela é grata por ela e outros sobreviventes terem uma segunda chance.
"Acredito que este é o terreno mais seguro para nós."
A AFP publica esta matéria como parte da iniciativa jornalística Projeto 89 Por Cento, que destaca que a maioria da população mundial quer medidas mais contundentes para combater as mudanças climáticas.
* AFP