
Por volta das 9h desta quarta-feira (23), 4h pelo horário de Brasília, o caixão de madeira com o corpo do papa Francisco cruzou o Arco dos Sinos da Praça de São Pedro sob aplausos da multidão e gritos esporádicos de "santo subito" — "santo já", em italiano.
O pastor, líder de quase 1,5 bilhão de católicos pelo mundo, estava de volta ao seu rebanho, agora órfão. Da última vez em que estivera ali, no domingo de Páscoa, o Papa argentino fizera um esforço descomunal para o que seria o derradeiro encontro em vida. Desde a surpresa da morte, na segunda-feira (21), o corpo de Francisco ficara resguardado pelos ritos e tradicionais oficiais da Santa Sé, longe dos olhos do público.
Nesta quarta, houve o reencontro. A multidão iniciou a série de homenagens que se estenderá até sábado (26), retribuindo o carinho do Papa que escolheu os pobres ao longo de 12 anos de pontificado.

Sob a Ladainha de Todos os Santos, o caixão, transportado por 14 homens vestindo terno preto e luvas brancas e escoltado por oito guardas suíços, adentrou pela porta central da Basílica de São Pedro. Seria a última vez que Francisco ingressaria ali. Só sairá do local onde os católicos acreditam que estejam os restos mortais de Pedro, a pedra sobre a qual Jesus edificou a Igreja, para a missa e posterior sepultamento na Basílica de Santa Maria Maggiore, a cinco quilômetros do Vaticano.
Tão logo o nome do último santo foi cantado em latim na ladainha, houve silêncio. O camerlengo, Kevin Farrell, incensou e benzeu o corpo de Francisco. Então, os demais cardeais formaram fila, um a um, para a despedida. Enfim, as portas da Basílica de São Pedro foram abertas aos fiéis. Eram 11h, 6h em Brasília.
Multidão na Praça de São Pedro
Diante da falta de uma diretriz clara por parte do Vaticano, a multidão tratou, ela própria, de se organizar. Duas filas foram formadas, uma cortando ao meio a Praça de São Pedro, e a outra, tomando a área mais próxima da Via della Conciliazione, que liga o Vaticano ao Rio Tibre.
Entramos em uma delas às 9h44min. Fazia 20°C, o céu de Roma estava azul e havia sol forte. Houve corre-corre, algumas pessoas passaram mal devido ao calor, e famílias com crianças desistiram depois de quase duas horas de espera. Os mais precavidos levaram sombrinha e guarda-chuva. A boca ficava seca, mas poucos tinham água na mochila.
Com a intervenção de seguranças, as duas filas foram unificadas. A peregrinação dos fiéis seguiu pela direita da praça, próximo ao prédio do Palácio Apostólico. Àquela altura, já não havia sequer como levantar os braços, tamanha era a aglomeração. Ombro a ombro, seguimos, quase sendo carregados pela onda de gente.
Silêncio dentro da basílica
Ao final de duas horas, pisamos nos degraus da basílica e entramos pela Porta Santa, a mesma pela qual Francisco retornou à basílica no domingo de Páscoa. Considerada sagrada, a porta é aberta em anos de jubileu, como em 2025. Foi aberta por Francisco em 24 de dezembro de 2024, véspera de Natal, e será fechada em 6 de janeiro de 2026, Festa da Epifania.
Dentro da basílica, a multidão foi desviada para o corredor central. Não se via a Pietá, de Michelangelo, tampouco o túmulo do papa João Paulo II. Essas áreas laterais estavam encobertas por tapumes. O caminho até a nave central foi de silêncio. Qualquer murmúrio era ouvido à distância.
A orientação dos voluntários era para que não fossem feitas fotografias, mas, em um mundo interconectado como o atual, onde imagens em redes sociais muitas vezes valem mais do que qualquer reflexão, quase todos na fila sacaram o celular à medida em que o caixão de Francisco se descortinava a nossa frente. Alguns usavam paus de selfie para registrar o momento do alto. Um homem tentou fazer uma selfie, mas foi censurado por um dos guardas.
A passagem em frente ao corpo de Francisco, cercado por quatro guardas suíços, foi rápida. Não mais do que 15 segundos. Rosto sereno, o Papa vestia casulo vermelho e mitra branca.
O Papa que escolheu a simplicidade recebeu as vestes da honraria real que representa. Eram 12h59min. Para mim, foram 3 horas e 15 minutos na fila. À tarde e à noite, essa espera para a despedida chegaria a cinco horas.
