
Uma crise envolvendo fundos de investimento em pecuária vem abalando a confiança entre produtores e o sistema financeiro no Uruguai. Cerca de 6 mil investidores foram lesados após três empresas que operavam os ativos entrarem em recuperação judicial. O rombo é calculado em US$ 300 milhões (ou R$ 1,69 bilhão).
Os envolvidos são os fundos Conexión Ganadera, República Ganadera e Grupo Larrarte. Todos ofereciam investimentos em gado em troca de rendimentos em renda fixa, e colapsaram nos últimos meses. Embora as quebras estejam inseridas em um contexto de dificuldades para o setor, há indícios de fraude sendo investigados.
Foco das principais suspeitas, o Conexión Ganadera, criado em 1999 e com 4,2 mil investidores, teria descumprido pagamentos e admitiu uma dívida de US$ 400 milhões (cerca de R$ 2,28 bilhões), enquanto disse ter apenas US$ 150 milhões (ou R$ 856 milhões) em caixa. Já o Grupo Larrarte teria um déficit de US$ 12,3 milhões (R$ 68,8 milhões) entre ativos e passivos, conforme apurou o jornal El País.
O Uruguai é conhecido mundialmente pela sua produção de carne bovina de excelência. A pecuária, incluindo produção de carne, subprodutos e laticínios, representou cerca de 10% do PIB do país em 2023.
Os fundos prometiam retornos em dólares e encontravam respaldo na imagem de um setor consolidado. Investidores dos mais diversos ramos aplicavam no instrumento financeiro.
Um investidor ouvido pela reportagem da Bloomberg disse que aplicou mais da metade de suas economias em contratos de seis e 24 meses que prometiam 7% e 9% de retornos anuais, respectivamente.
Entre as suspeitas está a de que, ao menos em parte, as empresas operassem algo semelhante a um esquema Ponzi — uma pirâmide financeira que promete altos rendimentos, mas não gera receita em um negócio real, tendo como fonte somente o dinheiro pago pelos investidores que chegam depois.
Fontes ouvidas por Zero Hora também afirmam que os operadores do fundo “inflacionaram o mercado do arrendamento de terra” no país, porque pagavam preços “que a atividade não remunera”.
O caso tem levado a pedidos de mais rigor na regulamentação dos investimentos no Uruguai.
Contexto econômico
A derrocada das empresas tem como pano de fundo uma série de problemas envolvendo a agropecuária e a indústria de carne no país. Entre eles, uma estiagem no ciclo 2022/2023, que causou perda bilionária ao setor agrícola e respingou no custo do arrendamento de terras para pastagem. Também se somam o aumento das taxas de juros depois da pandemia, que pesaram sobre as finanças das empresas.
A repercussão do caso já tem reflexos no mercado de trabalho. Empresas direta e indiretamente ligadas aos fundos estão desligando funcionários, provocando uma onda de demissões.
Fontes do setor da pecuária dizem que ainda há muita especulação sobre quem seriam os envolvidos no suposto esquema. A maioria dos investidores, contudo, não é do ramo pecuário. Por esse motivo, o impacto direto na cadeia produtiva não seria “significativo”, disse uma das fontes, que preferiu não se identificar.
Caso semelhante no Brasil há mais de 20 anos
No Brasil, um caso semelhante ao uruguaio ficou conhecido como esquema Boi Gordo, envolvendo a Fazendas Reunidas Boi Gordo. Foi um dos casos mais emblemáticos de pirâmide financeira já ocorridos no país.
A fraude fez 30 mil investidores perderem cifras bilionárias na década de 1990.
A Fazendas Reunidas Boi Gordo vendia cotas de investimento em propriedades que administrava no sudeste e no centro-oeste do país. O instrumento era considerado seguro e lucrativo, e funcionava a partir da aplicação de dinheiro para a compra de arrobas de boi magro.
Depois da engorda do animal, o dinheiro retornava sobre o peso inicial investido. O valor dos títulos podia ser resgatado após 18 meses, com promessa de lucros superiores a 40%.
Em 2001, a Boi Gordo não tinha mais recursos para manter os resgates. A falência da empresa foi decretada em 2004. O dono, Paulo Roberto de Andrade, foi condenado e multado em mais de R$ 20 milhões.