Um beijo na boca de um chefe "não deve ocorrer em nenhum ambiente social ou de trabalho", disse a jogadora de futebol Jenni Hermoso nesta segunda-feira (3), no julgamento do ex-presidente da federação espanhola Luis Rubiales pelo beijo que ele lhe deu contra a sua vontade no final da Copa do Mundo.
"Senti que estava completamente fora de contexto, e sabia que meu chefe estava me beijando e isso não deveria acontecer, não deveria acontecer em nenhum ambiente social ou de trabalho", disse Hermoso, a primeira testemunha no julgamento de Rubiales, que começou nesta segunda-feira perto de Madri, pelo beijo e pela suposta coação que obrigou a jogadora a dizer que tinha sido consensual.
A Promotoria pede uma pena de prisão de 2 anos e meio por esses crimes para Rubiales, que compareceu à audiência vestido com um terno escuro e sentou-se ao lado de sua advogada.
Hermoso explicou que nunca deu motivos para pensar que um beijo nos lábios fosse sua maneira normal de cumprimentar ou celebrar alguma coisa. "Só dou beijo na boca quando decido", disse a jogadora em resposta a perguntas da promotora.
"Como mulher, eu me senti desrespeitada, (...) eles mancharam um dos dias mais felizes da minha vida, e é muito importante para mim dizer que em nenhum momento eu busquei esse ato, muito menos esperava por isso", acrescentou.
- "Me deixem em paz" -
O julgamento contra o ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) começou pouco antes das 10h15 (06h15 no horário de Brasília) na sede da Audiência Nacional, em San Fernando de Henares, nos arredores de Madri.
O escândalo estourou diante dos olhos do mundo inteiro em 23 de agosto de 2023, quando as jogadoras da seleção feminina espanhola, após terem vencido a Copa do Mundo em Sydney, subiram ao pódio para receber as medalhas.
Parabenizando Hermoso, a número 10 do time, Rubiales agarrou sua cabeça com as duas mãos e deu um beijo em seus lábios, antes de soltá-la após dar dois tapinhas em suas costas.
O gesto viralizou nas redes sociais e gerou indignação no mundo todo, mas Rubiales permaneceu no cargo apesar da suspensão da Fifa e dos crescentes pedidos de renúncia, inclusive do governo espanhol.
Ele finalmente renunciou em setembro de 2023.
O ex-técnico da seleção feminina, Jorge Vilda, e dois ex-dirigentes da RFEF, Rubén Rivera e Albert Luque, também estão sendo julgados por coações a Hermoso, crime pelo qual a Promotoria pede um ano e meio de prisão para eles.
Hermoso explicou que estava farta da pressão e pediu que "me deixem em paz, porque é uma atrás da outra, e eu não aguento mais".
- Vida em "stand by" -
"Eu me senti completamente desprotegida" pela federação, acrescentou Hermoso, dizendo que tinha "medo de andar na rua" quando voltou para a Espanha. Ela encontrou refúgio no México, onde jogou pelo Pachuca.
"Estando tão longe, no México, encontrei uma maneira de me proteger mais", afirmou. Ainda assim, "até hoje, minha vida parece ter ficado em stand by" por este caso, acrescentou.
Rubiales sempre descreveu o gesto após a final de Sydney como "um selinho" - um beijo - entre amigos, mas a Promotoria acredita que foi imposto a ela "de forma surpreendente e sem o consentimento ou aceitação da jogadora".
A acusação também considerou que houve "atos constantes e repetidos de pressão" sobre a jogadora, sua família e amigos para fazê-la justificar publicamente o beijo.
"Nem mais um beijo não consensual, nem mais uma agressão sexual", escreveu a ministra da Igualdade do governo de esquerda, Ana Redondo, nesta segunda-feira no X, agradecendo a Hermoso por sua "coragem".
O julgamento ocorrerá até 19 de fevereiro e incluirá depoimentos de várias companheiras de equipe que apoiam a atacante da seleção, incluindo a duas vezes vencedora da Bola de Ouro Alexia Putellas, executivos da RFEF, treinadores masculino e feminino da Espanha e especialistas.
Rubiales, de 47 anos, testemunhará a partir de 12 de fevereiro.
Rubiales também está sob investigação judicial por suposta corrupção e contratos irregulares enquanto esteve à frente da RFEF desde 2018.
* AFP