Nos salões de mármore de um hotel de luxo, especialistas em inteligência artificial esboçam soluções modernas para um problema antigo: como fazer chover nos Emirados Árabes Unidos, uma nação rica em um dos maiores desertos do mundo.
Esse país do Golfo gastou décadas de trabalho e milhões de dólares tentando mitigar seu clima seco, hostil e terrivelmente quente, o que, no entanto, não impediu o crescimento de uma população predominantemente de expatriados.
Os resultados têm sido escassos até o momento. Mas no Fórum Internacional de Elevação Pluviométrica (IREF, na sigla em inglês), realizado no mês passado em Abu Dhabi, surgiu a ideia de usar a IA para extrair mais umidade de céus frequentemente sem nuvens.
Uma dessas iniciativas é um sistema de IA para aprimorar a semeadura de nuvens, uma técnica que usa aeronaves para jogar sal e outros produtos químicos nas nuvens para aumentar as chuvas.
O sistema "está quase pronto", diz Luca Delle Monache, vice-diretor do Western Center for Weather and Water Extremes (CW3E) da Universidade da Califórnia em San Diego.
"Estamos fazendo os retoques finais", acrescenta.
O cientista reconhece que a IA não é uma "solução milagrosa" para os Emirados Árabes Unidos.
A semeadura de nuvens aumenta o tamanho das gotículas presentes nas nuvens, que então cairão como chuva. Estima-se que isso aumente a precipitação em 10-15%, explica ele.
No entanto, isso só é possível com um tipo específico de nuvens e, se o processo não for feito corretamente, pode ter efeito contrário e impedir a chuva.
"Deve ser feito no momento e no lugar adequado. Por isso usamos inteligência artifical", aponta o especialista.
- Aplausos à chuva -
O projeto de três anos, financiado com US$ 1,5 milhão (8,5 milhões de reais na cotação atual) dos Emirados Árabes Unidos, alimenta dados meteorológicos, de satélite e de radar em um algoritmo que prevê onde se formarão nuvens semeáveis nas próximas seis horas.
Atualmente, um grupo de especialistas que estuda imagens de satélite é responsável por dirigir as centenas de voos de semeadura de nuvens que decolam todos os anos no país.
Com apenas cerca de 100 milímetros de precipitação anual, os quase dez milhões de habitantes dos Emirados Árabes Unidos dependem principalmente de água dessalinizada, canalizada de usinas que produzem 14% do total mundial, segundo dados oficiais.
A população é 90% estrangeira e aumentou quase 30 vezes desde que o país foi fundado em 1971. Os habitantes estão concentrados em grandes cidades, como Dubai, Abu Dhabi e Sharjah, paraísos litorâneos no vasto deserto da Arábia.
No entanto, o país precisa de chuva para alimentar o lençol freático e uma série de represas usadas para a agricultura e a indústria.
Embora as autoridades afirmem que a chuva aumentou, ela é tão incomum que, quando caem algumas gotas, as crianças começam a bater palmas e correm para as janelas das salas de aula para observar o fenômeno raro.
A chuva, até mesmo a chuva artificial, tornou-se uma atração: na Raining Street de Dubai, os visitantes pagam 300 dirhams (463,7 reais na cotação atual) para caminhar em uma leve chuva falsa.
O último mês de abril foi uma exceção. Uma chuva recorde inundou Dubai, fechou o aeroporto e paralisou a cidade por dias.
- Cautela -
Para encontrar soluções, a Emirates começou a organizar esse fórum de especialistas em 2017 e seu programa de melhoria da chuva alocou US$ 22,5 milhões (128,8 milhões de reais na cotação atual) em subsídios ao longo de uma década.
"É uma área de nicho na ciência atmosférica. Há poucos especialistas no mundo e eles estão quase todos aqui", diz Delle Monache.
O algoritmo que sua equipe está preparando não é o único uso de IA discutido no fórum.
Marouna Temimi, professor associado do Stevens Institute of Technology, em Nova Jersey, apresentou um sistema dos EUA que usa aprendizado de máquina para rastrear o caminho e o impacto de tempestades em tempo real.
Mas, assim como Delle Monache, Temimi também é cauteloso com relação a essas soluções baseadas em IA e seus limites.
A falta de dados detalhados sobre a composição da nuvem - um problema comum porque o equipamento para analisá-los é caro - dificulta previsões precisas até mesmo para a IA, diz ele.
"Ainda temos trabalho a fazer porque temos dados, mas não o suficiente para treinar os modelos adequadamente", explica.
O presidente do Conselho Mundial da Água, Loic Fauchon, também pediu cautela e que se encontre o equilíbrio certo "entre a inteligência artificial e a inteligência humana".
"Não vamos nos apressar demais com a inteligência artificial. Os seres humanos são provavelmente a melhor opção", disse ele.
* AFP