O presidente americano, Joe Biden, defendeu nesta segunda-feira (16) a retirada de tropas do seu país do Afeganistão, apesar da vitória relâmpago dos talibãs que gerou pânico em Cabul, onde milhares de pessoas lotaram o aeroporto em uma tentativa desesperada de fugir.
Em discurso na Casa Branca, o primeiro desde que os rebeldes islâmicos tomaram o controle do Afeganistão no fim de semana, Biden admitiu que o avanço talibã foi mais rápido do que o esperado.
Ele não poupou críticas ao governo afegão, apoiado pelas potências ocidentais, ao dizer que suas tropas não podiam defender uma nação cujos líderes "se renderam e fugiram", como fez o presidente Ashraf Ghani.
"Demos-lhes todas as oportunidades para determinar seu próprio futuro. Não pudemos dar-lhes a vontade de lutar por esse futuro", disse Biden, após advertir que não continuaria arriscado a vida de soldados americanos por mais 20 anos.
Ele acrescentou que "nunca se supôs que a missão no Afeganistão fosse construir uma nação".
A situação no aeroporto, cujas pistas foram invadidas, piorou tanto que todos os voos, civis e militares, tiveram que ser suspensos na tarde de segunda-feira, anunciou o Pentágono.
Uma maré humana se lançou no aeroporto para tentar fugir do novo regime que o movimento islamita radical, de volta ao poder após 20 anos de guerra, promete estabelecer.
Vídeos divulgados nas redes sociais mostram centenas de pessoas correndo perto de um avião militar americano prestes a decolar, enquanto alguns tentam se agarrar de sua lateral e rodas.
"Temos medo de viver nesta cidade e estamos tentando fugir de Cabul", disse à AFP no aeroporto Ahmad Sekib, de 25 anos, que usou um nome falso.
- Aeroporto reabre -
A multidão, desesperada, não parecia convencida das promessas dos talibãs de que ninguém deveria temê-los, afirmou uma testemunha à AFP.
As companhias internacionais suspenderam o sobrevoo do país a pedido do Afeganistão para deixar o espaço aéreo livre aos militares encarregados das evacuações.
Após algumas horas fechado, o aeroporto reabriu nas primeiras horas de terça-feira (noite de segunda no Brasil), disse um general americano, que acrescentou que o pessoal de seu país tomou o controle do tráfego aéreo.
Em Cabul, o clima era mais calmo nesta segunda do que na véspera e as ruas não estavam tão repletas de gente. Armados, os talibãs patrulhavam a capital e instalavam postos de controle.
Nas contas do Twitter que lhes são favoráveis, eles se vangloriam de ter sido acolhidos calorosamente em Cabul. Também informaram que milhares de combatentes chegavam à capital para garantir sua segurança.
Em um vídeo nas redes sociais, o cofundador dos talibãs, Abdul Ghani Baradar, anunciou a vitória. "Agora temos que mostrar que podemos servir à nossa nação e garantir a segurança e o bem-estar", disse.
O movimento islamita radical iniciou uma ofensiva em maio após o início da retirada das tropas estrangeiras, sobretudo americanas.
Em dez dias, assumiram o controle do país, vinte anos depois de terem sido expulsos por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos devido à sua negativa de entregar o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
A China foi o primeiro país a dizer nesta segunda querer manter "relações amistosas" com os talibãs.
Ao contrário, o ministro britânico da Defesa, Ben Wallace, considerou que "não era o momento" de reconhecer o regime talibã. Também qualificou seu retorno ao poder de "fracasso da comunidade internacional".
E o secretário-geral da ONU, António Guterres, insistiu em que "a comunidade internacional deve se unir para garantir que o Afeganistão nunca mais seja usado como plataforma ou refúgio de organizações terroristas".
Os Estados Unidos enviaram seis mil soldados ao aeroporto para evacuar o pessoal da embaixada e afegãos que trabalham como tradutores ou em outras funções.
Muitos outros diplomatas e estrangeiros foram evacuados apressadamente de Cabul no domingo.
Os afegãos e os estrangeiros que querem fugir do Afeganistão "devem ser autorizados a fazê-lo", afirmaram os Estados Unidos e outros 65 países em um comunicado, advertindo os talibãs que devem demonstrar "responsabilidade".
- Rigor islâmico -
A situação evidenciou que os Estados Unidos não conseguiram construir um governo democrático capaz de resistir aos talibãs, apesar de investir bilhões de dólares e dar apoio militar durante duas décadas.
Além disso, um funcionário da sua administração advertiu que os talibãs não terão acesso a "qualquer ativo do Banco Central que o governo afegão tiver nos Estados Unidos".
Muitos afegãos, sobretudo nas cidades, temem que os talibãs imponham a mesma versão ultra-rigorosa da lei islâmica do que quando governavam seu país, entre 1996 e 2001.
Os talibãs prometeram que, se voltassem ao poder, respeitariam os direitos humanos, em particular o das mulheres, conforme os "valores islâmicos". No entanto, nas zonas recém-conquistadas, já tinham sido acusados de atrocidades.
Para Aisha Khurram, de 22 anos, que representou a juventude afegã nas Nações Unidas e que se formaria na Universidade de Cabul nos próximos meses, a vitória dos talibãs no domingo "destroçou almas e nossas mentes".
* AFP