Por Paulo Fagundes Visentini
Historiador, professor titular de Relações Internacionais na UFRGS
Cada década posterior à eliminação do Muro de Berlim gerou uma sensação diferente. Em 1999, havia otimismo pelo fim da divisão da Alemanha e da Europa e pelo triunfo da democracia liberal. Já em 2009, a atitude era de cautela, pelas expectativas apenas parcialmente cumpridas e pelos custos econômicos da unificação. Agora, o clima é de apreensão, com a crise migratória e o avanço da xenofobia, do antissemitismo e da extrema-direita, que tem cometido assassinatos e atos de vandalismo contra sinagogas e abrigos de imigrantes. As recentes eleições na Turíngia colocaram o partido populista Alternativa para a Alemanha em segundo lugar e, na cidade de Dresden, foi declarada “Emergência Nazi”. Tudo em meio a um clima de crise da integração europeia com o Brexit e o avanço de uma espécie de nacional-populismo no continente, o qual está no poder em nações como Polônia e Hungria.
A Alemanha é um país desenvolvido e moderno, mas paradoxal. O filósofo alemão Karl Jaspers chegou a afirmar, melancolicamente, na década de 1970, que, “em 2 mil anos de história germânica, a Alemanha só esteve unificada 75 anos”. Agora seriam mais de cem. Mas, de certa forma, ainda existe uma Alemanha ocidentalizada, renana e alpina, sonhada por Adenauer, e outra “prussiana”, oriental em sua cultura política de viés autoritário. A primeira está no território romanizado, e a segunda, fora dele. Já a mudança da capital para Berlim não trouxe o resultado esperado, e a cidade permanece uma ilha progressista no Leste cada vez mais conservador e menos desenvolvido.
Por que uma população que se dizia buscar a liberdade e a democracia hoje se volta para discursos autoritários? Na verdade, há um fundamento socioeconômico e outro político para compreender a queda da Alemanha Oriental e a psicologia da frustrada população do Leste. O regime socialista tentou aumentar o nível de consumo por meio da modernização e da captação da moeda forte na Europa ocidental via comércio. Mas a crise do petróleo e a revolução tecnológica do Ocidente levaram a estratégia ao fracasso, gerando endividamento e escassez na República Democrática Alemã (RDA).
Politicamente, a Perestroika de Gorbachov marcou o fim do apoio soviético. Após a convergência URSS-EUA, com os acordos de dezembro de 1987, a Guerra Fria se esvaziou. Então, todos os endividados regimes socialistas do Leste Europeu ruíram simultaneamente em 1989, e a crise da RDA e a queda do Muro precipitaram a unificação. Desamparados e falidos, sob a promessa da conversão subsidiada do marco, os cidadãos do Leste votaram pela unificação, acreditando que a prosperidade chegaria logo.
Todavia, os custos da unificação fomentaram uma sutil tensão entre wessis e ossis (ocidentais e orientais), e o surgimento de uma (n)ostalgie, a nostalgia de um passado que também não consideravam bom. Os ressentidos orientais estavam despreparados para viver sob a cultura do mercado competitivo e individualista.
Em sua frustração, parte deles recusou os dois sistemas, voltando-se para referências políticas sombrias da história alemã. Embora a chanceler Angela Merkel tenha mantido a economia em bom estado, os ganhos são regionalmente desiguais, e o equilíbrio político, após cada eleição, é cada vez mais difícil de ser obtido.
Muitos fenômenos perigosos se assemelham aos dos anos 1930, mas isso não significa que o antigo nazismo poderia retornar. Aquela época era de acirrada politização e de crença em modelos. O mundo atual se assemelha mais a uma combinação perversa do '1984' de George Orwell com o 'Admirável Mundo Novo' de Aldous Huxley, em que o controle comportamental ocorre via telas de celular e de computador.
O fim da divisão do mundo gerou expectativas otimistas de uma Nova Ordem de Paz, Democracia e Prosperidade. Contudo, três décadas depois o que se observa é o questionamento da globalização, inclusive pelo presidente Donald Trump, e novos conflitos no sistema internacional. Os temas atuais são a mudança climática, a crise migratória, o nacionalismo xenófobo, o terrorismo, a precarização do emprego e o avanço da extrema-direita e de regimes autoritários.
Muitos fenômenos perigosos se assemelham aos dos anos 1930, mas isso não significa que o antigo nazismo poderia retornar. Aquela época era de acirrada politização e de crença em modelos. O mundo atual se assemelha mais a uma combinação perversa do 1984 de George Orwell com o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, em que o controle comportamental ocorre via telas de celular e de computador. Enquanto a tecnologia acaba com a privacidade, aplicativos geram formas de controle por meio do prazer. E, ironicamente, Fukuyama parece ter alguma razão: a noção de tempo histórico foi ocultada na contemporaneidade.
O vácuo coletivo criado permite que lideranças medíocres adquiram um poder quase ilimitado sobre imensas parcelas da humanidade.