A normalidade voltava lentamente nesta quarta-feira a Cartum depois que os líderes do protesto democrático no Sudão concordaram em interromper sua campanha de desobediência civil e retomar as negociações com o Conselho Militar.
Apesar da reabertura de algumas lojas e a circulação dos transportes públicos, muitos habitantes da capital sudanesa preferiam permanecer dentro de casa em razão da mobilização maciça de militares armados.
Depois de três dias de paralisação quase total na capital, um representante da equipe de mediadores da Etiópia anunciou na terça-feira que ambas as partes decidiram voltar à mesa de negociações. A oposição exige a transferência do poder aos civis.
"A Aliança para a Liberdade e Mudança acordou interromper a desobediência civil a partir de hoje", anunciou Mahmud Drir, mediador desde que o primeiro-ministro de seu país, Abiy Ahmed, viajou para o Sudão na semana passada.
"Ambas as partes também acordaram retomar logo as discussões" sobre a transferência do poder para uma administração civil, acrescentou.
O movimento de protesto afirmou em comunicado que está em contato com pessoas para "retomar o trabalho na quarta-feira".
O mediador etíope explicou que "em um gesto de boa vontade" os militares aceitaram "libertar todos os presos políticos".
Na terça-feira à noite, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou firmemente a violência no Sudão e pediu ao Conselho Militar e ao movimento de protesto que trabalhassem juntos para encontrar uma solução para a crise.
Os protestos no Sudão começaram em dezembro, quando o preço do pão triplicou e, na sequência, evoluiu para um movimento político.
Após a destituição do presidente Omar Al-Bashir por parte dos militares em 11 de abril, milhares de manifestantes que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército se recusaram a deixar o local, passando a exigir a transferência de poder para os civis.
Com o fracasso das negociações entre os manifestantes e o Conselho Militar, porém, a manifestação foi violentamente dispersada em 3 de junho. Em reação, os líderes dos protestos convocaram um movimento de desobediência civil no domingo (9).
Desde 3 de junho, a repressão no Sudão deixou 118 mortos e mais de 500 feridos, principalmente nesta data, relata o Comitê de Médicos, ligado ao movimento.
- Um protesto bem sucedido -
Os manifestantes declararam que a ação de desobediência civil foi um sucesso.
"Isso mostra claramente o que podemos fazer, e de um modo pacífico", disse Ishraga Mohamed, um dos líderes do movimento de protesto.
Um jornalista da AFP percorreu nesta quarta-feira vários bairros da capital e viu passageiros esperando seus ônibus, bem como lojas abertas. Contudo, o maior mercado de ouro da capital seguia fechado e poucas pessoas andavam pelas ruas.
"Continuo em casa porque estou preocupado com a presença das forças de segurança armadas nas ruas", declarou Samar Bashir, um morador local.
Outros habitantes de Cartum explicaram à AFP que a conexão de internet, cortada na segunda, ainda não foi totalmente restabelecida, dificultando o trabalho nos escritórios.
Os paramilitares das Forças de Apoio Rápidas (RSF) acusados de terem tido um papel importante na repressão de 3 de junho patrulharam as ruas em suas caminhonetes com suas metralhadoras.
Os RSF são considerados pelo movimento de protesto e especialistas como une uma "nova versão" das milícias Janjawid, denunciadas por atrocidades na região de Darfur (oeste), cenário de uma guerra civil desde 2003.
Nesta terça-feira, nove pessoas foram mortas no povoado de Al Dalij, em Darfur, segundo o comitê de médicos que apontou como os Janjawid como responsáveis.
* AFP