Por Joseane Schuck Pinto
Advogada e professora, doutoranda em Ciências Sociais pela Unisinos
O mundo global contemporâneo enfrenta a sua maior crise dentro do contexto de mobilidade humana. Tal crise gera implicações na vida daqueles que se deslocam e cruzam a fronteira transnacional. São estereotipados como ilegais, todavia, é relevante mencionar que nenhum ser humano no mundo pode ser considerado juridicamente ilegal. Aqueles que se deslocam forçadamente ou de forma voluntária, sem o documento hábil para tanto, ou seja, não possuem o visto para ingressar no país de destino, sendo considerados migrantes indocumentados, além de contarem com o auxílio de intermediários para a realização do deslocamento, os chamados coiotes.
Percebe-se que esse cenário produz impacto no Brasil, ao passo que o país é signatário de tratados internacionais e obrigações que afastam a possibilidade de fechamento de fronteiras, limitação do número de ingresso de solicitantes de refúgio ou, ainda, a devolução dos mesmos ao país de origem. O Brasil vem se afirmando no sistema internacional como ator relevante na questão migratória global. E, na medida em que as pessoas se deslocam além-fronteiras, mesmo sem a oportunidade e acesso a documentação hábil, vem ao encontro o aliciamento pelos atravessadores, com o objetivo de explorar a situação dos migrantes para obtenção de lucro. Eles oferecem os mais variados serviços com elevados custos, como transporte e falsificação de documentos.
Sobre essa questão e a fim de evitar a migração indocumentada, no último dia 10, quando foram celebrados os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 164 países reunidos em Marrakesh (Marrocos) aderiram ao denominado Pacto Global para a Migração (The Global Compact for Safe, Ordely and Regular Migration), que se baseia no princípio “pessoas em primeiro lugar”. Sob essa ótica, as migrações devem ser encaradas pelos Estados-membros como uma questão de direitos humanos. O pacto foi ratificado na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) no dia 19. Dentre os países que não aderiram a ele estão Hungria, Polônia, República Tcheca, Austrália e Áustria, além de Chile e República Dominicana – todos considerados Estados com forte influência de partidos nacionalistas e governos de direita ou extrema-direita, além de terem questões migratórias a lidar.
Destaca-se que o acordo reúne uma série de recomendações a serem seguidas pela comunidade internacional para uma migração “ordenada, regular e segura”. O pacto apresenta 23 objetivos de como tornar a migração, em nível global, “mais segura, ordeira e regulamentada”, que por sua vez serão adotados pelos Estados que se comprometeram em segui-los e que, posteriormente irão assiná-lo. O texto do pacto é muito claro ao referir que irá respeitar 10 importantes princípios – entre eles, a “soberania nacional” de cada Estado-membro, deixando a cada um deles a decisão de como colocá-las em prática.
Apesar de o Brasil ter assumido o papel humanitário e ser signatário dos tratados internacionais que versam sobre migrações, pronunciamento recente do nomeado ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indica que seremos um dos próximos países a abandonarem o acordo. Conforme as palavras do futuro ministro, o país buscará um “marco regulatório compatível com a realidade nacional”, pois “tem de haver critérios para garantir a segurança tanto dos migrantes quanto dos cidadãos no país de destino”.
Em resposta a outro pronunciamento do presidente eleito Jair Bolsonaro, o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, afirmou que a saída do Pacto Mundial para Migração será um “retrocesso” para o Brasil, por várias razões. Uma delas é uma questão pertinente à política externa e à atuação da diplomacia brasileira, que solidificou o país em temas como migração, direitos humanos, clima, entre outros.
O Pacto Global para Migrações serve como recomendação e poderá ser utilizado como instrumento para lidar com questões relativas a fronteiras de maneira coordenada, segura e integrada. Suas diretrizes, de forma alguma, possuem caráter vinculante, isto é, não se trata de um tratado internacional em que o Brasil fará a sua ratificação e, por conseguinte, criará obrigações jurídicas a serem obedecidas; pelo contrário, trata-se apenas de recomendação para colaboração de forma voluntária.
O pacto jamais se sobreporá à soberania do país, como mencionou o futuro ministro das Relações Exteriores. A motivação global para a migração excede em muito as possibilidades limitadas para atravessar as fronteiras; ela atingirá, sobretudo, a nós brasileiros em situação de emigração, visto o fato de a Nova Lei de Migrações alcançar e assegurar nossos direitos no momento em que adentrarmos a fronteira de outro país, o que antes não ocorria com o Estatuto do Estrangeiro, derrogado pela nova lei.
Por fim, a migração, sem sombra de dúvidas, é um tema global e deve ser enfrentado como tal, por tratar-se de movimentos rápidos cuja essência é o fenômeno da globalização.