Para Vladimir Putin, o presidente Donald Trump representava uma possibilidade de reconciliação com Washington. Entretanto, o ataque norte-americano contra Damasco surpreendeu o mandatário russo, que se viu invadido em seu próprio território.
O ataque norte-americano contra a base aérea de Al Shayrat foi como uma ducha de água fria para Moscou. Afinal, a Rússia esperava que Donald Trump fosse mais fácil de "manipular" que Barack Obama, especialmente em relação à Síria.
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Não havia ele prometido durante a campanha uma "normalização" das relações a ponto de apresentar-se como um amigo da Rússia? Não era, para muitos, o homem de Moscou, a tal ponto que alguns de seus colaboradores enfrentam acusações de conluio com a Rússia? Não disse que a prioridade de sua administração ia ser a luta contra o grupo Estado Islâmico?
O presidente russo Vladimir Putin condenou os ataques como uma "agressão contra um Estado soberano", que causaram "um prejuízo considerável nas relações entre Estados Unidos e Rússia". O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, resumiu a decepção dos russos.
– É preciso destacar que o próprio presidente Trump, que durante sua campanha eleitoral apresentava como um de seus principais objetivos a luta contra o terrorismo, tenha feito exatamente o contrário – declarou.
Segundo ele, os russos foram alertados com duas horas de antecipação sobre a iminência dos bombardeios, decididos em resposta ao ataque químico na localidade de Khan Sheikhun atribuído ao regime sírio. Para a Rússia, o ataque norte-americano constitui um obstáculo para a luta contra o terrorismo.
Defesa antiaérea
Os bombardeios também levantam interrogações a respeito da proteção que a Rússia concede à Síria.
– A Rússia ajudou os sírios a melhorar sua defesa antiaérea, mas parece que os americanos podem eludi-la facilmente – afirmou à AFP o especialista militar Pavel Felguenhauer.
Depois do ataque, o porta-voz do exército russo anunciou que serão reforçadas as defesas antiaéreas do exército sírio. Desde outubro de 2015, a Rússia posicionou em solo sírio baterias de defesa antiaérea S-300 e S-400, que são capazes, segundo Moscou, de responder a qualquer ataque aéreo.
Mas as baterias permaneceram em silêncio quando os mísseis americanos Tomahawk caíram sobre a base síria de Al Shayrat.
Tillerson em Moscou
O golpe parece ainda mais duro já que ocorre antes da visita, na próxima terça, do secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson a Moscou.
– Isso não vai fazer com que se suspenda a visita de Tillerson – destacou Felguenhauer, para quem os ataques e as inevitáveis declarações posteriores não vão perturbar as relações bilaterais. – Trump tem sérios problemas internos e decidiu mostrar, ao contrário da fragilidade de Obama, que está pronto para ordenar ataques – afirmou o especialista, que não espera por reações radicais.
O governo norte-americano assegurou que o ataque não deve ser seguido por outros. No entanto, no dia seguinte à ofensiva dos Estados Unidos, a embaixadora americana ante a ONU, Nikki Haley, ameaçou com uma nova ação militar de seu país na Síria.
– Estamos dispostos a fazer mais, mas esperamos que isso não seja necessário – afirmou.
– Isso não parece ser uma campanha com o objetivo de enfraquecer Assad – comentou Felguenhauer.
Andrei Baklitski, do centro de reflexão independente PIR, afirmou que, mesmo com o ataque, as reações foram moderadas.
– A declaração de Trump e as respostas dos russos foram moderadas não houve gestos, a visita de Tillerson não foi cancelada – destacou o especialista.
Até agora, a Rússia se contentou em suspender o acordo com a coalizão antijihadista para prevenir incidentes aéreos.
Para Andrei Baklitski, o bombardeio terá como principal consequência a mudança de tom nas discussões entre os americanos e os russos.
– Um envolvimento dos Estados Unidos na guerra na Síria estava pendente como uma espada de Dâmocles – afirmou o especialista. – Agora está claro que os Estados Unidos são capazes de utilizar a força na região e isso implica que sua opinião deve ser ouvida ainda mais – concluiu.
*AFP