A batalha política real em andamento entre o prefeito de Bogotá e o poderoso procurador-geral do país, que ordenou a perda do cargo do primeiro, foi comparada a uma novela mexicana. Porém, enquanto se arrasta, ela passou a lembrar mais um drama absurdo no qual dois atores alternadamente fascinam e irritam o público com brigas, filosofias e um eventual pontapé no traseiro.
O conflito vem cativando a nação desde que o procurador-geral, Alejandro Ordóñez, determinou em dezembro que o prefeito, Gustavo Petro, violou a lei em 2012 ao passar o serviço de coleta de lixo de Bogotá de empresas privadas a um órgão municipal.
Ordóñez determinou que as transgressões de Petro - também acusado de má gestão durante o processo de troca - eram tão sérias que ele deveria perder o cargo e ser banido de cargos públicos por 15 anos. A punição pareceu tão excessiva para um bom número de cidadãos que provocou a compaixão disseminada pelo prefeito, que convocou os manifestantes a protestarem nas ruas, depois pediu que inundassem os tribunais com petições para sua permanência no posto.
Acontecendo em um instante em que o governo federal persegue um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), guerrilha que enfrenta o governo há 50 anos, a altercação em Bogotá assumiu um significado a mais ao jogar ícones da esquerda e da direita um contra o outro.
- O que estão fazendo aqui é tentar se livrar de um detentor de cargo público de esquerda com potencial para se tornar um líder nacional e, portanto, existe a probabilidade de que ele poderia se tornar presidente, afirmou Petro.
Ele afirmou que a medida buscava passar um recado aos envolvidos nas conversas de paz, que acontecem em Havana, no sentido de que não existe mais espaço na Colômbia para políticos de esquerda. Porém, ele também apresenta o conflito em termos pessoais, chamando Ordóñez de fanático religioso e ressaltando suas afiliações políticas e religiosas. Petro se considera alvo de conspiração dos ricos e poderosos.
Ordóñez deixa de lado tais comentários e assinala que removeu autoridades de direita e de esquerda.
- Petro foi removido por não executar seus deveres. Por desperdiçar dinheiro público com seu improviso. Trocando em miúdos, por ser um prefeito ruim.
Os homens são diametralmente opostos e suas careiras acompanham linhagens familiares na sociedade colombiana. Petro, 53, fala em um tom de voz baixo que força os ouvintes a se inclinarem para ouvi-lo. Ordóñez, 58, fala de forma alta e vigorosa.
Petro usa óculos do Emporio Armani, camisas elegantes Oxford com o colarinho aberto, calças jeans e mocassins. Ordóñez veste ternos cinza escuro, camisas brancas com punho francês e gravatas apertadas.
Petro lê Michel Foucault, o filósofo francês radical. Ordóñez lê sir Thomas Morus. Em seu escritório existe uma Bíblia grande sobre um pedestal; certa manhã ela estava aberta em Eclesiastes.
Eles seguiram jornadas muito diferentes.
Petro foi líder da guerrilha M-19. Foi preso e torturado na década de 1980, depois ajudou a negociar o acordo de paz de 1990 que permitiu ao grupo entrar na política tradicional. Foi eleito à Câmara dos Deputados e ao Senado, onde denunciou vínculos entre políticos de direita e grupos paramilitares.
Em 2010, não teve sucesso ao disputar a presidência e, um ano mais tarde, foi eleito prefeito de Bogotá, capital e maior cidade do país, com quase oito milhões de habitantes.
Em sua história, alguns colombianos enxergam a possibilidade de uma nação livre do conflito armado, onde esquerda e direita limitariam a luta à política.
Ordóñez trilhouuma carreira solidamente dentro do sistema conservador. Advogado e juiz, chegou a chefiar o Conselho de Estado, um dos altos tribunais daqui. Em 2009, o Senado o escolheu procurador-geral. Petro votou nele.
Naquele cargo, Ordóñez foi criticado por posturas de oposição ao aborto e casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Em dezembro, Petro previu que os protestos contra sua deposição inspirariam uma transformação política, com a Praça de Bolívar, em Bogotá, se tornando uma versão da Praça Tahir, no Cairo, onde milhões se reuniram para pedir mudanças. Entretanto, enquanto as primeiras manifestações lotaram a praça, elas logo minguaram.
Contudo, a sentença de Ordóñez levantou questões sobre o cargo de procurador-geral, que investiga acusações de corrupção ou má gestão por parte das autoridades públicas e depois dá sentenças sobre os casos. O cargo acumula as funções de polícia, promotor e juiz e até mesmo decide sobre apelações às suas sentenças. Ordóñez manteve a decisão quando Petro apelou.
Embora agora alguns defendam que está na hora de diluir o posto, muitos ainda sentem que um vigilante forte é necessário, refletindo a profundidade da corrupção oficial e falta de respeito geral pelas autoridades públicas aqui.
Desde 2001, o procurador-geral removeu 816 prefeitos, 72 governadores, dez senadores e 38 membros do Congresso. Muitos receberam penalidades menores.
Os contratempos atuais são oriundos da decisão de Petro de atribuir a coleta de lixo a um órgão municipal e não às empresas que registraram grandes lucros com o serviço durante anos. Todavia, a Prefeitura estava despreparada e a mudança foi amplamente vista como um fiasco, com lixo formando pilhas nas ruas.
Ordóñez afirma que a mudança foi ilegal por não permitir a concorrência e a iniciativa privada. Petro pediu a intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ele e centenas de apoiadores também lutaram contra a deposição nos tribunais colombianos.
Espera-se que o Conselho de Estado decida em breve se Petro deve deixar o cargo. A questão poderia terminar na mesa do presidente do país, Juan Manuel Santos, que teria de assinar a remoção, algo que Ordóñez chama de formalidade. Santos é candidato à reeleição, o que pode resultar em nova reviravolta.
Se o caso se arrastar ou Petro vencer, ele poderia enfrentar outro desafio. Logo no começo do mandato, opositores coletaram assinaturas pedindo uma eleição revocatória, com o intuito de tirá-lo do cargo. Após muitos atrasos, a votação foi marcada para seis de abril, se Petro ainda estiver no posto.
A princípio, ele lutou contra a tentativa revocatória, mas agora a defende. Se vencer, pode afirmar que os eleitores ratificaram a forma como governou e que removê-lo seria antidemocrático.
Petro não foi um prefeito popular. Ele recebeu somente 723.157, menos de um terço do total em uma disputa com vários candidatos. Durante a maior parte do mandato, lutou contra os baixos índices de aprovação e muitos o veem como arrogante e mau gestor. No entanto, então, apareceu a sentença e aumento da aprovação e, agora, mesmo que perda o cargo, muitos dizem que sua carreira política está longe de ter acabado.
De certa forma, Ordóñez fez um favor a Petro, afirmou Paul Bromberg, ex-prefeito de Bogotá. - Isso o lança politicamente como uma pessoa perseguida pelo sistema, perseguido pelo procurador-geral, que muita gente odeia. Ele o tornou novamente uma pessoa importante.
Crise
Procurador-geral da Colômbia e prefeito de Bogotá entram em conflito e movimentam país politicamente dividido
Procurador-geral do país, Alejandro Ordóñez, determinou que o prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, violou a lei em 2012 ao passar o serviço de coleta de lixo da Capital de empresas privadas a um órgão municipal
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