O mundo árabe tem uma nova (e improvável) estrela: uma norte-americana que canta, mas mal fala o idioma e isso fazendo sucesso com músicas tradicionais.
Acompanhada do "oud", versão árabe do alaúde, e cantando com a emoção da lendária diva Umm Kulthum, Jennifer Grout, de 23 anos, virou sensação no Oriente Médio disputando o reality show "Arabs Got Talent".
Ela terminou a competição entre os três melhores em Beirute, agora em dezembro, depois de disputar os votos do público contra todo o tipo de artistas, muitos dos quais se sentiriam em casa em qualquer palco ocidental: comediantes, dançarinos de hip-hop e malabaristas. A única cantora de clássicos árabes era uma norte-americana de descendência europeia.
O sucesso da moça gerou altos debates na região. Desde que apareceu no programa pela primeira vez, em junho, ela conquistou fãs entre céticos e críticos e causou furor no coro invisível das redes sociais.
Seu talento é inegável. - Você não fala uma palavra de árabe e, no entanto, canta melhor que muita gente que nasceu aqui - , disse Najwa Karam, cantora libanesa muito popular que fez parte do júri que analisou o desempenho de Jennifer. - Durante tanto tempo imitamos o Ocidente e essa é a primeira vez que uma pessoa sem qualquer ligação com o mundo árabe, uma norte-americana que não fala a língua, canta canções típicas - . Mais tarde, a estrela foi criticada por apoiar uma estrangeira como finalista do programa, que praticamente só inclui nativos.
- Perdi a conta de quantas vezes ouvi comentários do tipo: 'É 'Arabs Got Talent', volte para casa' - , conta ela, em entrevista por telefone de Marrakesh, no Marrocos, onde mora. - É como seu eu estivesse planejando uma invasão quando na verdade só amo a música árabe e queria muito uma chance de me apresentar diante de uma plateia que, com certeza, apreciaria. -
Tamanho é o seu entusiasmo que gerou até uma onda de questionamento em relação à sua ascendência, mas Jennifer garante que nasceu em Cambridge, em Massachusetts, e em sua família há ingleses, escoceses e índios.
A confusão do público é compreensível. Em sua primeira apresentação, usou um vestido azul esvoaçante acompanhada de um grupo de dançarinas, show de luzes e os efeitos de uma máquina que vomitava fumaça e muito vento para interpretar a romântica "Baeed Anak" de Umm Kulthum, uma atriz/cantora egípcia que morreu em 1975, mas continua sendo idolatrada no mundo árabe.
É preciso coragem para uma novata se arriscar em um território praticamente sagrado. Na primeira eliminatória, um jurado perguntou seu nome em árabe, mas Jennifer indicou que não tinha entendido a questão e deixou a plateia de queixo caído quando começou a tirar sons sincopados de seu "oud" e a cantar em árabe.
A estranheza ainda foi maior porque o inglês da garota não tem um sotaque típico. - Sempre adorei o fato de que tenho um sotaque próprio e de ninguém poder adivinhar de onde sou. Por outro lado é muito frustrante porque estão tentando acabar com a minha credibilidade como artista -
Alguns músicos árabes se recusam a entrar no rebuliço, classificando a habilidade de Jennifer como um sinal de talento e reciprocidade da globalização. - A impressão que se tem é a de que não há nada de mais na imitação da cultura ocidental, não há surpresa, porque é assim que deve ser - , afirma Mariam Bazeed, escritora egípcia e cantora em Nova York, - mas quando um ocidental ousa imitar culturas 'étnicas', aí de repente é um espetáculo e tanto, digno de menção e registro -
Filha de uma pianista e um violinista, Jennifer começou a estudar música aos cinco anos e optou pela vertente árabe, em 2010, quando fazia o curso na Universidade McGill, em Montreal, e descobriu um artigo na internet sobre a cantora libanesa Fairouz. - Ouvi a voz dela na rede e me apaixonei; aí comecei a ouvir outros intérpretes e mandei fazer um 'oud' para mim na Síria - Não demorou muito e ela começou a se apresentar em um restaurante sírio da cidade.
A música tradicional compete (e perde) com o pop ocidental entre os árabes jovens. - Ela escolheu um repertório que está se perdendo entre a juventude do mundo árabe - , explica Amir ElSaffar, músico iraquiano/norte-americano e curador do Alwan for the Arts, centro cultural do Oriente Médio em Nova York. - A música de Umm Kulthum, Fairouz e Asmahan pode até soa familiar porque não para de tocar nos táxis, lojas e programas de TV, mas não tem apelo entre os jovens da mesma forma que rappers e cantores populares, que falam de amor e política de uma forma mais adequada ao nosso tempo -
As nuances da música árabe são muito difíceis de serem identificadas por ouvidos estrangeiros. - A música clássica ocidental é baseada na arte da harmonia; a melodia é mais restrita e já na árabe, o sistema é baseado na melodia rica que depende da microtonalidade, ou os sons que ficam entre as notas pretas e brancas no piano - , afirma Simon Shaheen, instrumentista palestino e professor da Escola de Música Berklee de Boston.
Shaheen trabalhou com Jennifer em um retiro musical em 2011. - Ela consegue reproduzir aqueles microtons que são tão importantes. Outro elemento importante do gênero envolve a ornamentação, o enriquecimento do som, o que ela também consegue, além de reproduzir os sons da língua, incluindo as vogais, de uma maneira muito bonita. -
O envolvimento de Jennifer com a cultura árabe continuou depois de se formar no ano passado, quando viajou para Marrakesh. Lá, pediu aos músicos que ocupam a famosa Praça Jemaa el Fna para ensiná-la a música berbere, que é nativa do Marrocos e totalmente diferente da árabe.
Depois de duas semanas ela se mudou para Paris, onde passou três meses cantando nas estações de metrô da cidade. - Eu entrava no trem, tirava o chapéu e começava a cantar em árabe. Tinha dia que ganhava bem, outras vezes, quase nada, até que acabei descobrindo as linhas mais frequentadas pelos árabes. Uma vez um cara chegou a gritar para o vagão calar a boca porque queria me ouvir. -
Jennifer acabou voltando para o Marrocos, onde vem cantando a música nativa e aprendendo a falar o berbere e o árabe marroquino.
E é realista em relação ao seu sucesso no programa. - A música árabe é uma paixão que vou levar para o resto da vida, não termina com um show de talentos. É um desafio, uma arte que leva a vida inteira para dominar. -
Surpresa
Após participar de reality show, norte-americana vira a nova estrela da música árabe
Jennifer Grout, de 23 anos, tornou-se a nova sensação no Oriente Médio cantando clássicos árabes
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