Ao menos por algum tempo, o ator americano Tom Hanks colocou Eisenhüttenstadt de volta no mapa.
E daí se ele bobeou na tradução do nome? - que significa Cidade das Siderúrgicas, e não Cidade das Cabanas de Ferro, como falou ao descrever sua curta passagem na cidade ao público de um programa de entrevistas americano. Durante alguns meses, depois de sua visita há dois anos, os moradores da antiga cidade modelo comunista torceram para que outros seguissem seu exemplo.
Entretanto, isso não aconteceu. Na verdade, agora que a Alemanha completa 24 anos desde a queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo, o número cada vez menor de pessoas que vivem em Eisenhüttenstadt parece encarar uma questão deprimente e constante: O que acontece com uma cidade modelo, depois que o modelo deixa de existir?
- É complicado, complexo e pesado, em todos os sentidos da palavra - , afirmou Justin Jampol, historiador especializado em artefatos culturais da época da Guerra Fria no Leste Europeu, explicando o desafio que Eisenhüttenstadt, e outros lugares de interesse cultural construídos ou encomendados pelos comunistas na antiga Alemanha Oriental, ainda enfrentam para encontrar uma identidade na Alemanha reunificada.
- Estamos falando de 25 anos desde a queda do muro e isso nunca foi tão delicado e perigoso - , afirmou Jampol em uma entrevista por telefone em seu escritório na cidade de Los Angeles, onde é diretor do Wende Museum. - Eisenhüttenstadt demonstra melhor que qualquer lugar que consigo imaginar as dificuldades de lidar com o passado -
É possível que nenhuma outra cidade esteja tão profundamente ligada à identidade socialista quanto Eisenhüttenstadt. Fundada em 1950 como Stalinstadt - o nome foi mudado em 1961 - a cidade foi criada em torno das novas siderúrgicas como um modelo dos princípios marxistas promovidos pelas autoridades da antiga Alemanha Oriental.
Os jovens vinham para cá do interior, atraídos pelas oportunidades de trabalho e pela oferta de apartamentos em prédios baixos, ligados por grandes quintais verdes, escolas, jardins de infância e escritórios. Quando o Muro de Berlim caiu em 1989, cerca de 40.000 pessoas viviam em Eisenhüttenstadt. A média de idade era de 28 anos.
- É preciso lembrar que quando essa cidade foi construída, a maioria das pessoas ainda vivia em ruínas - no resto da Alemanha Oriental, afirmou Kathrin Henck, chefe da associação de turismo da cidade, exibindo o bulevar que forma a espinha dorsal do centro da cidade, larga o bastante para poder realizar duas paradas militares por ano.
Durante décadas, a cidade teve uma série de privilégios sociais. Ela recebia rações mais generosas de bens de difícil acesso, além de uma vida cultural ativa, com um novo teatro e obras de arte comissionadas que enfeitavam os jardins. À medida que as tensões cresciam nos meses que antecederam ao dia 9 de novembro de 1989, as manifestações e protestos realizadas em cidades de todo o país praticamente não ocorreram em Eisenhüttenstadt, recorda Henck. - Vivíamos praticamente em um conto de fadas - .
Atualmente, as siderúrgicas que dão nome à cidade pertencem à ArcelorMittal, uma companhia siderúrgica multinacional. Elas continuam a ser a principal fonte de empregos da cidade, embora cada vez mais os funcionários venham de outras cidades da região.
O índice de desemprego se estabilizou em 8,6%, mais alto que os 6,5% registrados em média na Alemanha. Porém, apesar de quatro parques industriais e de uma pessoa designada pelo Estado para ajudar os recém-chegados a se instalarem, Eisenhüttenstadt ainda apresenta dificuldades.
Assim como muitas cidades pequenas e de médio porte da antiga Alemanha Oriental, a população de Eisenhüttenstadt despencou e a média de idade de seus habitantes aumentou drasticamente. Os números oficiais mostram que 30.300 pessoas vivem na cidade, mas algumas autoridades dizem que os números podem ter caído para apenas 28.000. Para cada família jovem há uma série de aposentados, o que aumenta a média de idade para 45 anos. Urbanistas estão reformando alguns apartamentos para que eles se tornem acessíveis a habitantes mais velhos.
- Tudo vai bem até que as crianças terminem o ensino médio - , afirmou Henck. - Então, os jovens saem para fazer faculdade e não voltam nunca mais - .
Ben Kladen, um blogueiro que vive em Berlim, é uma dessas pessoas. Aos 37 anos de idade, ele deixou Eisenhüttenstadt para ir à faculdade e nunca mais voltou, embora a mãe ainda viva lá. Durante anos ele se dedicou a promover a cidade entre os artistas. Em 2012, ele ajudou a Bienal de Arte Contemporânea de Berlim a criar um programa de residência para artistas em Eisenhüttenstadt.
Contudo, depois de poucos dias na cidade, os artistas desistiram do projeto e voltaram para Berlim, que fica a 90 minutos de carro ou trem, frustrados com o ritmo de vida lento e a falta de interesse por seus projetos. Kladen vê o exercício como outro exemplo da incapacidade da cidade de tirar proveito de seu passado socialista.
"A cidade poderia fazer muito mais em relação ao turismo histórico. Tendo em vista sua história como uma cidade inteiramente planejada pelo governo socialista e plenamente documentada desde o início, esse é um exemplo histórico único no mundo", afirmou.
Isso não quer dizer que a cidade não tenha tentado. Abrigado em um antigo jardim de infância, o Centro de Documentação do Dia a Dia na RDA é um museu repleto de pôsteres, embalagens, roupas que exibe detalhes da vida cotidiana na República Democrática Alemã - o antigo nome da antiga Alemanha Oriental, um país que não existe mais.
O museu conta com 170.000 objetos coletados ao longo das últimas duas décadas, embora só uma fração deles esteja em exposição. No ano passado, o museu foi adquirido pela cidade, depois que a fundação que o criou ficou sem dinheiro. Seu futuro só está garantido até o ano que vem.
Outro Museu da DDR financiado com dinheiro privado em Berlim atrai mais de 500.000 visitantes ao ano, oferecendo o que chama de "história em primeira mão" da Alemanha Oriental - assistindo velhas gravações da TV em um sofá cor-de-laranja em uma sala reconstituída a um passeio simulado atrás do volante de um Trabant. Aqui em Eisenhüttenstadt, o Centro de Documentação atrai apenas 5.500 visitantes ao ano.
Karin Panzer, de 63 anos, que se mudou com a família para o Complexo de Apartamentos I quando era criança e gosta de dizer que é tão velha quanto a cidade, também gostaria de receber mais visitantes. Sentada em uma mesa em sua padaria, que funciona no prédio da antiga concessionária de carros da rua principal de Eisenhüttenstadt, ela explica que o número de clientes tem caído constantemente nos últimos anos.
- Eu já fui dona da única padaria da cidade - , afirmou Panzer, recordando-se do período socialista, quando trabalhava para uma grande padaria estatal que fazia entregas em toda a região. Agora, quase todo mundo compra pão no supermercado, afirmou, olhando para a rua vazia pela janela da padaria: - Clientes? Bem que podia haver mais - .
Guerra fria
Moradores abandonam cidade considerada 'modelo' da Alemanha Oriental durante a Guerra Fria
Jovens deixam a cidade de Eisenhüttenstadt em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho
GZH faz parte do The Trust Project