Conforme as histórias iam sendo contadas, os olhos brilhavam, os sorrisos ficavam mais largos e as mãos dançavam. Todo mundo que encontrei na Martinica tinha pelo menos uma lembrança pessoal de Aimé Césaire um encontro tranquilo ou um discurso que despertou a consciência mas todos concordavam em uma coisa: o poeta, dramaturgo e político que conquistou um status quase monumental na ilha caribenha, foi o homem mais humilde que já conheceram.
Veja, por exemplo, o que tem a dizer Daniel Houcou, um dos dois motoristas contratados para servir Césaire nos seus últimos dez anos de vida: quase toda tarde, saía pela ilha de mais de 72 km de comprimento com o poeta, que levava debaixo do braço seu amado tratado de botânica (e cujo título se perdeu na História). - De repente ele via uma árvore em algum lugar, me pedia para parar, saía e ficava ali do meu lado, nós dois olhando para cima - , conta.
Minha história na Martinica começou quando eu tinha 15 anos; foi um interlúdio tropical com meus pais suíços, e na mesma hora fui engolida pela vibração caribenha. Seria a primeira de várias visitas. Anos depois, já adulta, após ter me mudado para Nova York, comecei a me aventurar além das buganvílias e as praias: explorei o vulcão ameaçador do Monte Pelée, a floresta tropical, conheci o povo e aí descobri as palavras de Césaire e fiquei enfeitiçada. Elas me mostraram a outra faceta da História dolorosa local.
Embora tenha um tom meio rude, raivosa, sua poesia é baseada no amor que sentia por sua terra natal: - Meu lindo país com suas praias de gergelim - , ele dizia. Por isso, quando soube que este ano marcaria o centenário de seu nascimento (ele morreu em 2008), planejei uma viagem pela Martinica e sua história, tendo seu filho favorito como guia. Nas ondas, nas encostas do vulcão, castigadas pelo vento, nas plantações de banana, sua voz revelava para mim as histórias humanas escondidas sob a beleza das paisagens.
Nascido em 1913 no que ainda era uma colônia francesa, Césaire foi para Paris, na década de 30, para estudar; ali, com a ajuda de intelectuais negros proeminentes, estabeleceu o conceito de negritude, ou o ato cônscio de aceitação e orgulho das raízes africanas e rejeição do racismo e da opressão.
Em 1939, com apenas 26 anos, ele voltou para a Martinica para dar aulas de Literatura, logo depois da publicação de "Diário de um Retorno ao País Natal". O poema, que mais parecia um grito surrealista anticolonialista, colocou em prática a ideia da negritude, expondo os horrores da escravidão e suas consequências. - Somos adubo ambulante, promessa medonha da cana macia e do algodão suave - , escreveu ele.
Em 1941, um navio que levava um grupo de escritores e artistas fugidos da França ocupada aportou na ilha. A interação subsequente de Césaire com o surrealista André Breton e o artista cubano Wilfredo Lam, cuja atenção ajudou a torná-lo famoso, deu início a uma amizade e um intercâmbio cultural que durou a vida toda.
Em 1945, Césaire foi convidado a concorrer, pelo Partido Comunista, às eleições municipais da capital, Fort-de-France e para sua surpresa, foi eleito prefeito da cidade, cargo que ocupou até 2001 (com exceção de um breve hiato em 1983 e 1984). Dias antes de os tanques soviéticos invadirem Budapeste, em 1956, ele se desligou do Partido Comunista Francês e, mais tarde, ajudou a fundar o Partido Progressista da Martinica. Durante 48 anos, Papa Césaire, como muitos ainda o chamam, também foi representante da Martinica na Assembleia Nacional de Paris, onde liderou a transição pacífica de colônia a departamento.
Quem me ajudou em minha missão foi Houcou, alto, elegante e muito gentil. Começamos em Fort-de-France, onde até o aeroporto ganhou o nome de Césaire, e de lá seguimos a sinuosa Route de la Trace, aberta sobre uma trilha antiga usada pelos jesuítas no século XVIII, parando no Camp Balata, parque e forte militar do século XIX, onde o poeta costumava passear. De onde estava, via de um lado os cinco picos da serra vulcânica Pitons du Carbet à distância; do outro, a baía de Fort-de-France brilhando sob o sol forte.
Seguimos para o Jardim Botânico Balata, onde atravessei as pontes suspensas apavorada demais para olhar para baixo. Sã e salva do outro lado, respirando novamente, reconheci a helicônia, flor vermelha e escultural que era símbolo do partido de Césaire. Conforme avançávamos, a floresta ia ficando mais fechada. O vento balançando através de verdadeiras paredes de samambaias, gigantescas, me fizeram lembrar "do murmurar sobrenatural das samambaias arborescentes" que ele descreveu em "Rapacious Space".
Estava ansiosa para chegar à sua cidade natal, Basse-Pointe, onde ele adorava observar as ondas se quebrando: "de Trinité a Grand-Rivière, a grandiosa lambida histérica do mar". A apenas uma hora da floresta tropical, uma picada íngreme nos levou a uma enseada onde a areia escura que, na verdade, era pó vulcânico pintava a água verde esmeralda e o barulho ensurdecedor das ondas parecia mais um batuque contínuo.
Ao contrário, o Monte Pelée, a curta distância rumo ao interior, era cercado de um silêncio sepulcral. À minha volta, os sulcos cobertos de mato escondiam seu perigo. Depois de 8 km, chegamos a Saint Pierre e a Mafumeira: "Árvore não-árvore/bela imensa árvore/o dia em ti se queda/como um pássaro assustado". A cidade foi a capital chique da ilha até o vulcão entrar em erupção, em 8 de maio de 1902, matando cerca de trinta mil pessoas. Apesar de carbonizada, a árvore conseguiu reviver e hoje seus galhos gigantescos se estendem, lá no alto, sobre as ruínas melancólicas do que restou. - Papa Césaire achava impressionante a altura e a força dela - , Houcou explicou.
No dia seguinte, dei uma volta por Fort-de-France, observando a movimentação vibrante: boutiques com clima francês; uma feira oferecendo mangas e abacaxis em abundância; a impressionante Biblioteca Schoelcher, em estilo belle époque, criada em Paris para a Feira Mundial de 1889 e depois reconstruída na Martinica, tijolo por tijolo.
O clima é bem diferente a 40 km dali, na escarpada Península Caravelle. Em seu documentário impressionante de 1994, "Aimé Césaire: A Voice for History" (relançado em 2006 como o subtítulo "A Voice for the 21st Century"), a cineasta Euzhan Palcy mostrou Césaire no terno bege que era sua marca registrada, as mãos nas costas, caminhando entre as ruínas do Château Dubuc, uma plantação de açúcar fundada na península em 1725. Ali, eu ouvi, hipnotizada, o guia erudito de dreadlocks Dimitri Charles-Angèle descrever de forma vívida a moradia, o trabalho e as dores dos quase 300 escravos que trabalharam ali.
As histórias ajudaram a me preparar para o Cap 110 Memorial, em Anse Caffard, do outro lado de Diamond Rock, no extremo sudoeste da ilha. Eu sempre fui apaixonada pela beleza quase inacreditável do sul da Martinica, com suas praias de areia branca e colinas cobertas de bananeiras, mas só recentemente descobri que a rocha vulcânica que se ergue a 152 metros da água que a cerca e hoje um de seus melhores locais de mergulho testemunhou o naufrágio de um navio negreiro clandestino em 1830. Em homenagem aos que morreram ali, o artista Laurent Valère esculpiu quinze figuras de concreto imensas, mas curvadas, dispostas em um triângulo (alusão à rota entre África, Américas e Europa, por onde seguiam os produtos e seres humanos que eram comercializados), olhando pensativas na direção do Golfo da Guiné, na costa da África Ocidental. A postura representava o peso do passado.
Entretanto, eu queria ir mais além. No litoral, a alguns quilômetros de Diamond Rock, parei em uma colina e olhei para trás. Dava para distinguir claramente o perfil de Morne Larcher, uma ribanceira a que chamavam de Mulher Adormecida. Césaire deve ter ficado enfeitiçado, tanto que escreveu um poema inteiro dedicado a ela: "Sobrevivente, sobrevivente/Você, meu exílio e rainha desse lugar/Fantasma eterna incapaz de aperfeiçoar seu reino". Nas palavras do poeta, senti a dor da história: a junção da natureza e dos povos e a universalidade da nossa jornada.
Cultura caribenha
Em seu centenário, poeta Aimé Césaire é lembrado por moradores da ilha de Martinica, no Caribe
Além do trabalho na área da literatura, Césaire se engajou em questões políticas e culturais
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