A vida dos poderosos burocratas do governo chinês agora se resume a isto: transporte solidário, relógios nacionais e restaurantes self-service.
Desde que se tornou o líder geral da China, o presidente Xi Jinping impôs uma forma de austeridade para os funcionários públicos, militares de alta patente e chefes do partido nas províncias, famosos pelos gastos desmedidos. Avisando a todos que o suborno e a ganância podem levar ao fim do governo comunista, Xi ordenou o fim dos banquetes elegantes financiados com o dinheiro dos contribuintes e dos subornos que frequentemente ganham a forma de bolsas Louis Vuitton embrulhadas para presente.
Enquanto o poder da elite da nação continua inconteste, os símbolos desse poder estão desaparecendo das vistas. Por enquanto, já não se veem mais as flores frescas e as cerimônias com tapetes vermelhos que eram realizadas para receber dignitários estrangeiros. Em março, autoridades militares que vieram ao Congresso Nacional do Povo foram instruídas a dividirem quartos de hotel e a trazerem suas próprias tolhas e roupas de cama.
"O transporte solidário é muito bom, porque serve para conversarmos e nos conhecermos melhor, enquanto economizamos dinheiro e aumentamos a eficiência", afirmou um militar de alta patente ao jornal do Exército Popular de Libertação.
Entretanto, nem todo mundo adotou as mudanças. Em março, o principal órgão disciplinar do país dispensou seis funcionários, incluindo um líder regional do partido que gastou 63.000 dólares para entreter 80 colegas em um resort à beira mar, e uma autoridade municipal que comemorou a abertura do novo escritório administrativo com uma festa para 290 pessoas.
Até onde podemos ver, a moralização parece ser real, mas talvez não vejamos tão longe assim. Um ano depois do escândalo que levou à queda de um membro do Politburo, Bo Xilai, e a inúmeras reportagens sobre a corrupção pública, a campanha do presidente Xi parece servir para evitar as demonstrações de riqueza mais óbvias dos que estão no poder. O líder fez muito pouco para enfrentar a concentração de renda e de poder na economia estatizada da China, que permitiu que diversos membros da elite chinesa e suas famílias estendidas reunissem fortunas extravagantes.
Analistas destacam que até mesmo um passo modesto no sentido de acabar com a corrupção - uma proposta de regulamentação que exigiria que autoridades públicas revelassem sua renda - parece estar parada, destacando a resistência da elite a mudanças reais.
Wu Qiang, professor de ciências políticas na Universidade de Tsinghua, em Pequim, expressou dúvida em relação à campanha em prol da moderação, afirmando que isso servia para distrair o público do tipo de reforma política realmente necessária para tornar o governo mais confiável e transparente.
"Mais do que restringir os hábitos alimentares das pessoas, precisamos restringir o poder do partido. Caso contrário, isso não passa de uma farsa política", afirmou.
Ainda assim, Xi chamou atenção e ganhou elogios pelo código oficial de conduta de oito pontos, divulgado em janeiro deste ano. No texto, Xi afirmava que o governo combateria "tigres e moscas" com medidas anticorrupção fundamentais para recuperar a confiança do público.
"Se não acabarmos com tendências pouco saudáveis e permitirmos que elas se desenvolvam, construiremos um muro entre o partido e o povo, perderemos nossas raízes, nosso sangue e nossa força", afirmou Xi.
A campanha de Xi possui até um novo slogan baseado em sua visão do comedimento gastronômico: "Quatro pratos e uma sopa".
Portanto, a maior parte das vítimas dessa onda de comedimento são as pessoas que tornam possível a vida fácil: prestadores de serviços de luxo, vendedores de joias, hotéis cinco estrelas e os fabricantes dos cigarros Yellow Pavilion, que custam 300 dólares por embalagem e são cobiçados por burocratas em ascensão.
Os efeitos foram sentidos por todos os setores da economia: as vendas de passagens de avião de primeira classe caíram dez por cento nos últimos meses e fornecedores de produtos de luxo falam sobre quedas de 20 a 30 por cento nas vendas. O fabricante da aguardente Maotai - um licor de arroz que custa 600 dólares a garrafa e é a bebida mais comum dos banquetes oficiais - viu uma queda de mais de 20 por cento no crescimento da empresa nos últimos tempos.
A Associação Gastronômica Chinesa afirmou que 60 por cento dos restaurantes pesquisados em fevereiro haviam sentido uma queda no volume de reservas, com uma redução de um terço na quantidade de banquetes oficiais em relação ao mesmo período no ano passado. O porta-voz Shen Danyang, do Ministério do Comércio, normalmente defende com unhas e dentes o consumo, mas parece apoiar essa queda em particular. Durante uma conferência de imprensa em fevereiro, anunciou uma queda de mais de 70 por cento nas vendas de barbatanas de tubarão e de mais de 40 por cento nas vendas de ninhos de andorinha comestíveis, o principal ingrediente de uma sopa que custa 100 dólares a porção.
Para garantir a participação de todos, investigadores do governo analisaram os recibos dos restaurantes em busca de contas altas que sugiram gastos exagerados.
"Até mesmo os chefões estão fugindo dos restaurantes chiques e trocando os relógios importados por marcas chinesas até que as coisas se acalmem", afirmou um administrador da província chinesa de Yunnan, no norte do país.
Empresas que vendem cigarros e bebidas afirmam que a queda no consumo foi dolorosa.
"Não sei quanto tempo vou aguentar", afirmou Li Liuyuan, dono de uma adega que vai ceder metade da loja para um quitandeiro.
Não surpreende que a campanha esteja ganhando o apoio dos cidadãos, que há muito tempo estão desgostosos com os gastos exagerados e outros atos de arrogância.
"Isso desperta a fé das massas", afirmou Wang Yukai, professor da Academia Chinesa de Governança.
Enquanto isso, a rede de restaurantes Xiang E Qing, que já foi popular entre os funcionários do governo, precisa encontrar outra forma de sobreviver.
Na sede da polícia armada da China, onde duas filiais do restaurante funcionam em um pátio cheio de Audis com placas governamentais, houve uma queda de 30 por cento nos negócios. A queda nas vendas levou a empresa a fechar temporariamente um dos restaurantes, diminuir os preços e oferecer meias porções, para demonstrar a crença da empresa no discurso de moderação de Xi.
Para deixar claro o objetivo, TVs de LED na entrada das 35 salas privativas do restaurante exibem a seguinte mensagem aos clientes: "Peça de acordo com suas necessidades".
Os garçons, cujo salário depende em parte das gorjetas, afirmaram que os salários caíram um terço, levando muitos a pedirem demissão. Contudo, os que permaneceram no local afirmam apoiar a nova onda de contenção.
"Prefiro ver o dinheiro do imposto sendo gasto com os pobres, não em banquetes do governo", afirmou Cui Fei, de 24 anos, em um dos salões do restaurante.
As pessoas que são obrigadas a tirar proveito dos exageros também estão aliviadas. Um empresário que janta quase todas as noites com parceiros de negócios e autoridades do governo e que não quis ser identificado afirmou que os convites caíram pela metade.
"As bebedeiras diárias custam caro para o corpo", afirmou, expressando arrependimento por aceitar tantos brindes com Maotai.
Mas é difícil abandonar velhos hábitos.
Durante suas investigações, a Agência de Notícias Xinhua criticou os "agentes duplos que defendem o comedimento mas realizam grandes banquetes secretos". A Xinhua também descobriu o novo slogan adotado pelas autoridades do governo: "Coma quieto, aceite gentilmente e brinque em segredo".
The New York Times
Governo chinês acaba com exageros da elite
Presidente Xi Jinping impôs uma forma de austeridade para os funcionários públicos, militares de alta patente e chefes do partido
GZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: