Lagos, Nigéria - O jovem que segurava o pé de cabra estava de pé sobre uma pilha de entulho - tábuas, paletas, panelas quebradas, pedaços de papelão, roupas e concreto - indistinguível em meio a outras pilhas num campo de escombros que se perde na distância.
- Era nesta casa que eu morava antes de Fashola a demolir - disse John Momoh, 28 anos, olhando de cima da pilha e citando o governador de Lagos, Babatunde Fashola. Momoh, motorista, procurava com afinco qualquer coisa que pudesse ser resgatada, um prego, uma tábua, em meio à confusão.
Retroescavadeiras do governo chegaram e passaram por cima da habitação de madeira simples de Momoh e de aproximadamente outras 500 pessoas, em fevereiro, criando instantaneamente quase dez mil sem-teto entre os moradores pobres de Lagos, ao destruir uma favela que existia há décadas, Badia East. Durante dias, os moradores vagaram pelo caótico campo repleto de entulho, situado nos arredores dos imóveis mais refinados de Lagos.
Eles estavam estupefatos e com raiva. Criancinhas dormiam no chão lamacento. Homens subiam e vasculhavam os montes de escombros. Sob calor intenso, mulheres, homens e crianças diziam estar famintos e dormindo ao relento. Segundo falaram, o governo destruiu seu presente, sem tomar qualquer providência em relação ao futuro.
- Eu perdi tudo - disse Momoh. - Estamos tentando desenterrar gravetos, ganhar o pão de cada dia - ele explicou enquanto cutucava o entulho. - Não temos dinheiro para comer.
Kingsley Saviouru, cozinheiro de 30 anos, declarou: - Demoliram tudo. Não nos deram nada. Estamos aqui, sofrendo.
No mandato do governador enérgico de Lagos, muito aplaudido pela imprensa financeira internacional, esta megalópole apinhada de arranha-céus, lagoas sujas, congestionamentos brutais e favelas extensas e com cerca de 21 milhões de habitantes, o Estado anunciou a ambição de se tornar o principal centro de negócios da região e, talvez, da África.
Não faltam projetos de infraestrutura e habitacionais, incluindo uma rede de veículos leves sobre trilhos cujos suportes já saltam sobre bairros lotados, um enorme shopping center sofisticado ao estilo de Dubai e um conjunto habitacional construído de frente para o Oceano Atlântico, inaugurado em fevereiro por Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos. Uma nova concessionária da Porsche foi inaugurada no distrito financeiro.
Nesta visão reluzente, a velha Lagos das favelas tem futuro incerto. Dois terços dos moradores da cidade residem em bairros "informais", como os ativistas os denominam. Segundo um dos principais grupos de ativistas, mais de um milhão de pobres da cidade foram expulsos à força das casas, na maioria dos casos sem aviso, durante derrubadas de favelas nos últimos 15 anos.
No verão passado, aconteceu um breve protesto quando lanchas do governo transportando homens armados com facões removeram o bairro de palafitas de Makoko, transformando cerca de 30 mil pessoas em sem-teto. No grande aterro sanitário em Ojota, onde milhares penam para ganhar a vida, barracos são derrubados com frequência, reclamaram moradores.
A abordagem agressiva do governo nigeriano em relação aos pobres, que representam pelo menos 70% da população, foi exibida por completo durante a recente remoção de Badia East, onde existe a ameaça de ainda mais demolição - outras 40 mil pessoas moram no local. Foi um cenário clássico: um veículo preto da polícia chegou cedo. Policiais uniformizados e armados se espalharam para vencer qualquer teimosa. E as retroescavadeiras se puseram a trabalhar sob o desalento dos residentes, derrubando madeira fina e blocos de concreto.
Valentões - chamados "Area Boys" em Lagos e muitas vezes contratados pelo governo estadual como equipe de demolição por cerca de US$ 10, segundo os ativistas - fizeram seu trabalho onde as retroescavadeiras não conseguiram entrar, destruindo estruturas frágeis com marretas e, de acordo com Momoh e outras pessoas, roubando os bens dos moradores.
Segundo muitas pessoas, elas tiveram 20 minutos, no máximo, para pegar os pertences.
- Virou um Deus nos acuda - disse Femi Aiyenuro, acrescentando que quem voltou para recuperar os bens corria o risco de apanhar com as coronhas dos rifles e cassetetes. - Começaram a bater nas pessoas.
O pouco que pôde ser recuperado foi empilhado ao longo de uma estrada de ferro que passa à beira de Badia.
- Eles me chicotearam - contou Charity Julius, grávida de 27 anos. Ela contou ter corrido para sua casa para buscar o filho e, quando este estava em segurança, voltou para recuperar o que fosse possível. A polícia não gostou daquilo e bateu nela, que apresentou uma contusão no braço direito como prova.
O diretor habitacional de Lagos, Adedeji Olatubosun Jeje, contou uma versão diferente dos fatos.
- Trata-se da regeneração de uma favela. Nós os notificamos várias vezes. O governo pretende construir 1.008 unidades habitacionais. Removemos apenas barracos. Ninguém nem sequer morava neles. Talvez existissem alguns invasores morando neles.
Quanto às novas casas, "não existe a menor chance de que eles consigam comprar", disse Felix Morka, diretor executivo do Centro de Ação por Direitos Econômicos e Sociais, grupo nigeriano de defesa dos direitos econômicos. Ainda segundo ele, os moradores de Badia ganham em média menos de US$ 100 mensais. O Banco Mundial havia incluído Badia na lista de comunidades a serem modernizadas, observou Morka.
Essa lista agora é irrelevante. Em seis horas, Badia East não existia mais.
- Não temos mais onde ficar - disse Joy Austin, mãe de três filhos. - Todos estão ao relento agora. Não temos mais aonde ir.
Sua cama é um colchão imundo de espuma colocado sobre um papelão, no barro. Os filhos dormem sob mosquiteiros rasgados.
Uma peruca emerge do entulho. Ao lado, alguns sutiãs, uma arma de brinquedo, CDs, uma camisa rasgada, um frasco esmagado de xampu e chinelos. À beira do campo de entulho, crianças pequenas improvisavam uma mesa de pingue-pongue com duas pranchas colocadas sobre tambores de combustível enquanto um rapaz empurrava um carrinho de mão com madeira resgatada e uma pequena bandeira da Nigéria amarrada nele. À noite, os meninos que subiram descalços sobre as tábuas crivadas de pregos e viradas para cima ganharam feridas dolorosas.
Morka, advogado formado em Harvard que levou o governo estadual aos tribunais por causa da demolição, afirmou que "querem uma Lagos que pareça bonita, reluzente. Porém, eles sabem muito bem que Lagos é Lagos por causa das pessoas que vivem aqui. Eles estão agindo sem o menor respeito pelas pessoas que moram aqui".
O sentimento de que o governo, assombrosamente, declarou aberta a temporada de caça contra o próprio povo era comum entre os moradores de Badia.
- Não sei por que fazem tudo isso - disse Austin, enquanto outros residentes se aglomeravam ao redor. - Não sei por que quebram tudo. Não esperávamos isso agora. As pessoas ainda estavam dormindo. Não deu tempo de fazer as malas.
Aiyenuro, vigilante que conta ter construído a própria casa, afirmou que "havia milhares de pessoas morando aqui. Agora, está tudo destruído".
Ninguém avisou que deveriam deixar a área. - Existe a crença errônea segundo a qual se você demolir a favela, as pessoas voltarão à cidade - declarou Megan Chapman, advogada norte-americana que trabalha com Morka. - Trata-se de uma grande inverdade. As pessoas não desaparecem do nada.
Aqui e ali, aflorava muita raiva contra o governador, Fashola.
- Nós não somos criminosos - gritou Peter Patersoa, pedreiro de 39 anos e pai de um filho. - Fashola está agindo errado! Ele não está fazendo bem ao Estado de Lagos.
Outra multidão se formou. - Tomara que Deus esteja do nosso lado - disse Aiyenuro. - Por favor, nós estamos sofrendo.
The New York Times
Maior cidade da Nigéria busca o progresso derrubando favelas
Em Lagos, camada da população menos favorecida sofre perante a ambição do governo de transformar região em um grande centro de negócios
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