Todos Santos, Bolívia - Não há nada de clandestino na plantação de coca de Julian Rojas, que fica rodeada de plantações de banana. Ela foi mapeada com imagens de satélite, catalogada em um banco de dados do governo, foi comparada com as informações pessoais de Julian, e checada e rechecada pela associação local de produtores de coca. O mesmo vale para os lotes vizinhos de Rojas e para milhares de outros produtores desta região tórrida ao leste dos Andes que têm licença do governo boliviano para plantar coca, a planta usada na fabricação da cocaína.
O presidente Evo Morales, que apareceu pela primeira vez como líder dos plantadores de coca, mandou embora o Departamento Antidrogas dos Estados Unidos em 2009. Esse despejo, junto com a prisão, em 2011, do ex-líder da polícia antidrogas boliviana sob acusação de tráfico, levou Washington a concluir que a Bolívia não estava cumprindo sua obrigação global de combater o narcotráfico.
Mas apesar do desligamento dos Estados Unidos, a Bolívia, terceira maior produtora de cocaína do mundo, tem sua própria abordagem heterodoxa em relação às plantações de cocaína, que diverge nitidamente da grande guerra contra as drogas, e inclui monitoramento de alta tecnologia das milhares de plantações legais que produzem folhas de coca para usos tradicionais.
Para surpresa de muitos, esse experimento levou a uma queda significativa nas plantações de coca na Bolívia de Evo Morales, um feito que tem acontecido sem os assassinatos e a violência que são subprodutos sanguinários das medidas norte-americanas para controlar o tráfico na Colômbia, México e em outras partes da região.
No entanto, existem também sinais de preocupação de que tais conquistas estejam sendo prejudicadas à medida que traficantes usam métodos mais eficientes para produzir cocaína e passam a perna na polícia boliviana para manter as drogas saindo do país.
Em um sinal crucial de progresso da abordagem da Bolívia em relação à coca, a área total de cultivo da planta caiu em 2011, de acordo com relatórios independentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e o Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca. Ao mesmo tempo, o governo boliviano reforçou os esforços para desmatar plantações não autorizadas e relatou um aumento na apreensão de cocaína e de seus subprodutos.
- É fascinante ver um país que expulsou o embaixador dos Estados Unidos e o DEA, bem como a expectativa por parte dos Estados Unidos de que os esforços da guerra contra as drogas não funcionem - disse Kathryn Ledebur, diretora do Andean Information Network, um grupo de pesquisas boliviano. Em vez disso, disse ela, a abordagem da Bolívia está "mostrando resultados".
Ainda assim, existe ceticismo. - Nossa perspectiva é de que eles tiveram avanços reais, e estão muito longe de onde gostaríamos que estivessem - disse Larry Memmott, agente diplomático da embaixada norte-americana em La Paz. - Em termos de cumprimento da lei, ainda há muito a ser feito.
Embora a Bolívia proíba a cocaína, é permitido o plantio de coca para usos tradicionais. Os bolivianos mascam a folha de coca como um estimulante leve e as usam como remédio, como chá e, particularmente entre a população indígena, em rituais religiosos.
Recentemente, Rojas colocou algumas folhas secas em sua boca e observou o pôr do sol em sua plantação, de pouco menos de 16 hectares, o máximo permitido por fazendeiro nesta região, conhecida como Chapare.
- Essa é uma forma de mantê-las (as plantações) sob controle - disse, cuspindo um jato de suco verde. - Todo mundo deve ter o mesmo tanto.
O governo boliviano convenceu os produtores de que quantidades limitadas de plantações manterão os preços da coca altos. E tem se focado em esforços de erradicação, do tipo que já estimulou uma forte resistência popular, fora das áreas controladas pela associação dos produtores, como em parques nacionais.
O registro de milhares de produtores, finalizado este ano, é parte de um sistema de leis que depende de que os produtores vigiem uns aos outros. Se os produtores registrados são descobertos plantando coca numa área maior que a permitida, soldados são chamados para remover o excesso. Se os produtores violarem o limite uma segunda vez, sua plantação inteira é desmatada e eles perdem o direito de plantar coca.
As associações de produtores também podem ser punidas se houver múltiplas violações entre seus membros.
- Temos que manter uma vigilância constante - explicou Nelson Sejas, produtor na região de Chapare que fez parte da equipe que checou as plantações de coca para se certificar que elas não excediam o limite.
Mas ainda há muita trapaça. Os policiais dizem estar checando os registros de mais de 43 mil produtores de Chapare para encontrar aqueles que tenham mais de uma plantação ou que violem outras regras.
- Os resultados falam por si mesmos - disse Carlos Romero, o ministro do governo. - Nós temos demonstrado que é possível fazer um trabalho objetivo de erradicação sem violar os direitos humanos, sem polemizar o assunto e obter resultados claros.
Ele disse que o governo estava no ritmo para erradicar mais hectares de coca este ano do que em 2012, sem a violência do passado. Segundo um relatório do governo, 60 pessoas foram mortas e mais de 700 foram feridas em Chapare entre 1998 e 2002 por conta da violência relacionada à erradicação.
Mas mesmo que a Bolívia mostre progresso, ainda há sérias preocupações.
O departamento de narcóticos da Casa Branca estimou que, apesar da diminuição geral nas plantações de coca em 2011, a quantidade de cocaína que poderia ser potencialmente produzida a partir da coca cultivada na Bolívia saltou mais de um quarto. Isso porque uma enorme quantidade de plantações recentes começaram a amadurecer e a alcançar rendimentos mais altos; e os traficantes passaram a usar métodos de processamento mais eficientes.
O notório paradoxo do programa de monitoramento da Bolívia é que grandes quantidades da coca cultivada legalmente acabam nas mãos de traficantes de drogas e são transformadas em cocaína e em outras drogas. A maioria dessas drogas vai para o Brasil, considerado o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo. Praticamente nenhuma cocaína saída da Bolívia vai parar nos Estados Unidos.
Cesar Guedes, o representante da Bolívia no escritório de drogas da ONU, disse que quase metade das terras destinadas à plantação de coca no país produz coca que vai para o mercado de drogas. Segundo algumas estimativas, mais de 90 por cento da coca de Chapare, uma das duas principais regiões produtoras, são direcionados para as drogas.
Quaisquer que sejam os números, a maioria dos analistas concorda que muito mais coca é produzida do que realmente a necessária para suprir o mercado tradicional.
A União Europeia financiou uma pesquisa há vários anos para estimar quanta coca seria necessária apenas para usos tradicionais, mas o governo boliviano se recusou a publicá-la, alegando que eram necessárias mais pesquisas.
O incentivo para reduzir a terra para o cultivo de coca aparece a medida que o governo de Morales pressiona outros países a emendar uma convenção da ONU sobre narcóticos para reconhecer a legalidade do uso tradicional da folha de coca na Bolívia. Uma decisão é aguardada em janeiro.
Em uma manhã recente, logo depois da alvorada, um esquadrão de soldados uniformizados usava facões para arrancar um lote de plantas de coca perto da cidade de Ivirgarzama.
Eles vieram para cortar uma antiga plantação que havia passado do limite e para medir uma plantação de substituição feita pelo produtor. Os soldados determinaram que a nova plantação estava um pouco além do limite e removeram cerca de duas fileiras de plantas antes de seguirem seu caminho.
- Antes, havia mais tensão, mais conflitos, mais pessoas feridas - explicou o tenente coronel Willy Pozo. - Isto já não é mais uma guerra.
The New York Times
Legalização de lotes faz Bolívia reduzir o número de plantações de coca
Abordagem do governo boliviano sobre o plantio de cocaína inclui monitoramento de alta tecnologia
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