Bamako, Mali - Oumar Ould Hamaha, um notório comandante islamista nos desertos da África ocidental, só possui desdém pelas potências ocidentais a que se opõe - ou pelos ocidentais que ele e outros militantes sujeitam a privações, fome, sede e proselitismo por meses a fio.
Mas ele os aprecia abertamente por ajudar os islamistas no ponto de maior importância.
- Muitos países ocidentais estão pagando somas enormes aos jihadistas - declarou ele numa entrevista por telefone no norte de Mali, citando os pesados resgates que os militantes vêm coletando na região. - A fonte de nosso financiamento são os países do Ocidente. Eles estão pagando pelo jihad.
O sequestro é uma indústria tão lucrativa para os extremistas no oeste da África, tendo gerado dezenas de milhões de dólares nos últimos anos, que reforçou seu controle sobre o norte de Mali e complicou planos de uma campanha militar para recuperar territórios controlados pelos islamistas.
Além do risco imediato aos 10 europeus e 3 argelinos ainda em cativeiro - "No primeiro sinal de ataque, os reféns terão suas gargantas cortadas como galinhas, um após o outro", ameaçou Hamaha -, uma intervenção poderia enfrentar oponentes formidáveis. A al-Qaeda do Magrebe islâmico, uma das facções que dominam o norte de Mali, teria acumulado até US$ 90 milhões em resgates na última década, transformando-a num dos grupos militantes mais ricos e bem armados da região.
Mas Mali e seus vizinhos ainda lutam para reunir soldados, dinheiro e um plano viável para recapturar o terreno perdido. Na verdade, Mali, que deveria liderar a ofensiva internacional contra os islamistas, nem mesmo possui um governo estável. O primeiro-ministro do país renunciou após ser preso por soldados, parte da contínua instabilidade política que permitiu que os islamistas assumissem o controle do norte.
Enquanto a ONU discute planos para uma intervenção militar no norte de Mali, os islamistas da região parecem estar à caça de mais reféns. Há algumas semanas, um turista francês foi levado em Mali, e cinco trabalhadores humanitários foram capturados em Níger em outubro, após uma calmaria nos sequestros que durou meses.
Os sequestros costumam seguir o mesmo roteiro: um surto repentino de movimentação, geralmente à noite; ordens guturais e armas; em seguida, dias num carro para dentro do deserto.
Os dias se tornam semanas, meses e até mesmo anos num mar de areia, esperando pela libertação ou pela morte. Uma esquálida árvore de acácias pode ser a única sombra, o chão do deserto a única cama, e a água - quando oferecida - muitas vezes vem de um galão de gasolina.
- Vivi uma experiência absolutamente inimaginável - declarou Françoise Larribe, francesa sequestrada em 2010 no norte de Níger, onde seu marido trabalhava numa mina de urânio operada pela empresa francesa Areva. O marido, Daniel, ainda é refém; ela foi libertada inesperadamente após cinco meses e meio que foram "extremamente duros".
- A despedida de meu marido foi rápida e dolorosa - acrescentou ela.
Hamaha estava com a al-Qaeda do Magrebe islâmico quando ajudou a sequestrar um diplomata canadense, Robert Fowler, numa tarde de dezembro de 2008, perto da capital de Níger, Niamei. Hoje o jihadista diz ser "o responsável pela segurança" do braço malinês da al-Qaeda do Magrebe islâmico, chamado Mujao, ou Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental - um dos três grupos radicais que controlam o norte de Mali.
A brigada comandada por Hamaha fechou o carro do diplomata "numa captura rápida, violenta, bem coordenada e impecavelmente executada", escreveu Fowler numa nova biografia: "A Season in Hell: My 130 Days in the Sahara with al-Qaeda". Ele e um assistente estavam a caminho de um jantar na capital.
Ele passou semanas de medo, dormindo na areia, exposto ao brutal sol do Saara, a cobras e escorpiões, alimentado com tigelas de arroz, arrastado de posto a posto no deserto. -Passei quase cinco meses aterrorizado - disse Fowler numa recente entrevista. - Morria de medo de que aquilo terminasse numa tenda com uma faca em meu pescoço, e minha família assistindo pelo YouTube.
Hamaha, seu captor, que recebe ligações de jornalistas, declarou: - Ah, sim, o canadense que sequestramos. Não me arrependo, de forma alguma. Ele estava a caminho de se perder - referindo-se ao que ele considera como a condição espiritual do ocidental. O canadense, segundo Hamaha, "aprendeu muitas coisas conosco".
Durante o cativeiro, Fowler, que era o enviado especial da ONU em Níger, obteve talvez a melhor percepção até o momento sobre a mentalidade de alguns dos homens que hoje comandam o norte de Mali. "Não há dúvidas sobre sua fé: eles entoavam cânticos sob o sol mais forte do Saara, por horas e horas."
O homem que ajudou a negociar a libertação de Fowler durante meses de conversas tortuosas, Moustapha Chafi, consultor de diversos governos da região, descreveu a mentalidade dos islamistas como "fanatismo total".
Mesmo assim, Fowler apontou: - Eles são realistas no sentido de entenderem a política prática. Eles compreendem a pressão sobre governos.
Alguns reféns foram mortos pela al-Qaeda do Magrebe islâmico - incluindo um turista britânico, Edwin Dyer, em 2009, e um trabalhador humanitário francês, Michel Germaneau, em 2010 -, e os sequestradores penetraram no núcleo das capitais da região, capturando dois jovens franceses num restaurante em Niamei no começo de 2011. Os dois, na cidade para um casamento, foram mortos algumas horas depois numa tentativa de resgate.
Apenas alguns países, incluindo Inglaterra, Estados Unidos e Argélia, declararam publicamente sua recusa em pagar resgates a terroristas. Outras nações europeias possuem uma postura muito mais ambígua, aparentemente pagando para libertar seus cidadãos sem admitir o ato.
Na França, "as autoridades nunca foram aberta ou oficialmente contra o pagamento de resgates", declarou um relatório parlamentar francês de março passado.
O relatório recomendava que "deveria ser elaborada" uma mudança na política para que os pagamentos parassem. "Ceder aos terroristas é o mesmo que financiá-los, e com isso estamos sustentando o que eles fazem", dizia o texto.
O relatório citou uma estimativa argelina de que a al-Qaeda do Magrebe islâmico teria recebido até US$ 150 milhões em resgates nos últimos 10 anos, um valor que, segundo o próprio texto, provavelmente era alto demais. Uma análise separada da Stratfor, uma firma privada, colocou o valor em quase US$ 90 milhões.
O preço para libertar reféns ocidentais parece estar subindo.
- Em 2010, o pagamento médio por refém era de US$ 4,5 milhões; em 2011, esse número era de US$ 5,4 milhões - declarou David S. Cohen, subsecretário de terrorismo e inteligência financeira do Departamento do Tesouro dos EUA, num discurso em outubro. Ele acrescentou que a al-Qaeda do Magrebe islâmico havia provavelmente lucrado mais com os sequestros do que qualquer outra afiliada do grupo terrorista.
The New York Times
Sequestros financiam extremistas na África Ocidental
Raptos têm gerado dezenas de milhões de dólares para islamistas nos últimos anos
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