![Mariella Furrer / NYTNS Mariella Furrer / NYTNS](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/14366586.jpg?w=700)
Oshabeni, África do Sul - Sob todos os aspectos, aquela era uma reunião política comum de cidade pequena. Em setembro, os líderes da filial local do Congresso Nacional Africano (CNA) se reuniram num convento daqui para discutir candidatos para uma posição recém-desocupada no conselho municipal, o cargo eleito de nível mais baixo na África do Sul.
Quando terminou, Dumisani Malunga, presidente local do partido e principal candidato à vaga, parou na casa de um amigo para um jantar tardio de frango ao curry. Quando ele e outro funcionário do partido, Bheko Chiliza, iam de carro para casa às 21h30, um homem disparou contra o carro. Seus corpos crivados de balas foram encontrados mais tarde, estendidos no chão ao lado da perua branca Toyota.
Malunga e Chiliza foram as baixas mais recentes de uma batalha cada vez mais sangrenta por postos políticos na África do Sul. Dezenas de autoridades, incluindo conselheiros municipais, líderes de partidos e prefeitos, foram mortas no que se tornou uma desesperada e mortal luta pelo poder e seus espólios.
Os assassinatos ameaçam manchar a imagem da chamada nação do arco-íris, cuja transição (praticamente pacífica) do governo da minoria branca à democracia não racial tornou-se um símbolo de paz, tolerância e perdão.
Em meio à crescente corrupção e ao declínio de oportunidades econômicas, as mortes políticas estão em alta. Aqui na província de KwaZulu-Natal, quase 40 políticos foram mortos em batalhas por cargos políticos desde 2010 - mais que o triplo dos três anos anteriores, segundo dados do governo. Nos últimos anos, dezenas de outros foram mortos em províncias como Mpumalanga, North West e Limpopo.
O CNA, antes um movimento libertário engajado numa das mais importantes lutas do século XX por justiça e direitos humanos, está hoje no poder - e vem enfrentando um intenso escrutínio pela pobreza extrema, a profunda desigualdade e o desemprego generalizado que assolam o país. Uma onda de greves desde agosto e a forte repressão contra elas alimentaram o ódio a um partido visto cada vez mais como fora de controle e cujos líderes parecem querer apenas encher os bolsos.
Essa é uma mudança gritante dos primórdios do CNA, quando as pessoas arriscavam a vida e a liberdade para se juntar ao partido e lutar contra o apartheid. Mas nos últimos anos, o partido aumentou acentuadamente o recrutamento de novos membros, com pouca consideração sobre quem entra e por quê.
Muitos novos membros vêm em busca de riqueza e poder. Menos da metade dos jovens adultos negros da África do Sul possui emprego, e muitos carecem das habilidades básicas para encontrar trabalho, após anos frequentando escolas abaixo dos padrões em favelas e áreas rurais. Para esses jovens, a política é um caminho aparentemente garantido para sair da pobreza. O aumento da corrupção alimenta a crença de que cargos políticos significam propinas e contratos.
Nas fileiras de funcionários públicos, o cargo de membro do conselho municipal numa pequena cidade com esta não pareceria grande coisa. O cargo paga cerca de US$ 150 por mês, e seus ocupantes digerem uma constante dieta de queixas de moradores sobre os problemas mais básicos da África do Sul: escolas que não ensinam, torneiras que não entregam água, crimes que a polícia parece incapaz de evitar, empregos que são impossíveis de encontrar.
Mas os conselheiros municipais são também um canal para o desenvolvimento de projetos em suas regiões, e podem influenciar a distribuição de contratos do governo. O potencial para ganhos - com propinas ou acordos clandestinos - é alto.
- Devido à alta taxa de desemprego, as pessoas buscam qualquer oportunidade de criar uma renda e capitalizar sobre ela - afirmou Mzwandile Mkhwanazi, presidente regional do CNA na área que inclui Oshabeni. - Eles são influenciados pelos níveis de pobreza. Eles inventam qualquer forma de conseguir dinheiro.
Essas mudanças explicam por que o cargo de conselheiro municipal em Oshabeni, uma pobre cidade a 24 quilômetros do Oceano Índico, é tão disputado. Quando a mulher que ocupava o cargo morreu por doença, em agosto, muitos políticos locais ficaram ansiosos para assumir seu lugar.
Um deles era um jovem motorista de táxi chamado Sfiso Khumalo, líder da unidade local da Liga Jovem do CNA. Mas Khumalo não tinha uma reputação muito boa, disseram membros da Liga Jovem. Ele era esquentado e havia passado nove anos na prisão por roubo.
- Nós o conhecíamos como um ladrão - declarou Gcinile Duma, secretário da Liga Jovem. - Ele havia estado preso e andava com as pessoas erradas.
Outros membros do comitê executivo local do CNA admitiram preocupação por Khumalo não ser um candidato adequado.
- Algumas pessoas entram na política pelos motivos errados, apenas por dinheiro - afirmou um líder local do partido que não quis ser identificado. - Sfiso Khumalo não queria ajudar o povo, mas somente a si mesmo.
Em seu caminho estava Malunga, de 42 anos, o presidente do partido e popular figura local. - As pessoas gostavam de Dumisani e o viam como um bom líder - explicou Duma.
Em 9 de setembro, Khumalo compareceu à reunião no Convento Filhas de São Francisco de Assis para declarar sua candidatura. Não houve um confronto aberto entre Malunga e Khumalo, segundo pessoas que estavam na reunião. Mas quando Malunga foi encontrado morto a tiros perto de sua casa, poucos duvidaram de quem seria o principal suspeito.
- Nós dissemos à polícia: 'Sabemos quem fez isso. Foi Sfiso Khumalo' - contou Duma.
Após dois dias de investigações, a polícia prendeu Khumalo, que confessou prontamente ter conspirado com um empresário local para matar Malunga. Em 18 de setembro, Khumalo foi condenado a 22 anos de prisão. A pessoa acusada de coautoria ainda está em julgamento.
Numa declaração, o líder do CNA em KwaZulu-Natal condenou a violência e a cultura de onde ela brota.
- O CNA não pode permitir o desenvolvimento da cultura do submundo, da criminalidade e da eliminação violenta de adversários - afirmou o presidente provinciano, Zweli Mkhize. - O CNA tampouco pode arcar com a associação de nomeações políticas para autoenriquecimento, onde a ascensão ao cargo não esteja ligada à capacidade, competência e um serviço dedicado ao povo.
Funcionários do partido pagaram pelo enterro de Malunga, e sua sepultura de tijolos parece luxuosa ao lado dos montes de terra que abrigam seu pai, irmão e sobrinho.
A mãe de Malunga, Sizakele Malunga, já enterrou cinco dos 11 filhos, mas perder o caçula foi um golpe especialmente forte, disse ela. Malunga morava com ela e lhe fazia companhia em sua viuvez.
- Estou sozinha, e nada vai trazê-lo de volta - afirmou Sizakele Malunga. - Eu apenas tento fazer o tempo passar sem ele ao meu lado.
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