Lelystad, Holanda - Para garantir que a Holanda nunca sofra com calamidades como a que devastou Nova York após a passagem do furacão Sandy, Willem van Dijk, guardião dos diques de Flevoland, província holandesa que fica mais de 3 metros abaixo do nível do mar, envia 11 homens todos os dias para combater uma grave ameaça à mais avançada rede de proteção contra tempestades do planeta.
Sua missão é matar ratos-almiscarados. Utilizando gaiolas de metal e armadilhas com cenouras, os caçadores dos roedores de Flevoland realizam um serviço simples, mas vital para o eficiente sistema de defesa holandês, composto por técnicas de controle de enchente desenvolvidas desde a Idade Média e por futurísticas estruturas de aço operadas por computadores, que se movem para controlar as enchentes causadas pelo aumento no nível da água após as tempestades.
Nos últimos dias, a impecável técnica holandesa e os séculos de experiência na luta contra a água ganharam especial atenção dos Estados Unidos, por oferecerem importantes lições sobre como Nova York e outras cidades podem proteger cidadãos e propriedades contra as enchentes. Empresas holandesas de engenharia começaram a realizar projetos que ajudarão a proteger Manhattan das tempestades, uma vez que a Holanda possui áreas costeiras e grupos de estuários similares aos de Nova York, que oferecem os mesmos riscos de inundação.
Entretanto, autoridades holandesas e especialistas em hidrologia que examinaram os sistemas de ambos os países afirmam que seriam necessárias grandes mudanças nas práticas americanas de prevenção a desastres em áreas costeiras para que fosse possível replicar os sucessos holandeses nos Estados Unidos.
- O pensamento holandês é completamente diferente do americano - pois, nos Estados Unidos, a reparação de danos é mais importante que evitar a ocorrência de catástrofes, afirmou Wim Kuijken, autoridade sênior do governo holandês para políticas de controle das águas. - Os Estados Unidos são excelentes em gestão de desastres - mas - trabalhar para evitá-los é completamente diferente de trabalhar depois que aconteçam.
A Holanda não tem furacões, mas enfrenta ferozes tempestades vindas do noroeste, encaminhadas até a costa holandesa através do Mar do Norte. Após centenas de anos na beira do abismo, os holandeses passaram a ter uma clara consciência das consequências das enchentes e da necessidade de preveni-las em um país onde dois terços da população, incluindo a maior parte dos habitantes de Amsterdã, Roterdã e Haia, vivem muito abaixo do nível do mar.
- Sabemos que se as coisas derem errado, pagaremos durante décadas - afirmou Kuijken, o comissário delta. Por essa razão, a Holanda foi capaz de mobilizar enormes recursos para antecipar e minimizar o risco de enchentes, afirmou.
Durante boa parte de sua história, os holandeses conquistaram terras que não passavam de grandes pântanos, criando elaborados mosaicos de diques que, se fossem colocados lado a lado, teriam 80 mil quilômetros de extensão. Entretanto, após as grandes enchentes em 1916 e 1953, decidiu-se que a constante construção, ampliação e reforço de diques não seria mais possível, sobretudo em áreas densamente povoadas.
Isso levou à construção de uma série de barragens que protegeriam estuários alagadiços e braços de mar, diminuindo o litoral e reduzindo drasticamente as áreas expostas a enchentes causadas por tempestades. Além disso, barragens móveis foram construídas em locais que não poderiam ser fechados por conta do intenso tráfego de navios, como o estuário que leva ao porto de Roterdã.
Em resposta à enchente de 1953, que matou mais de 1,8 mil pessoas, o Estado criou regras duras, exigindo que as barragens contra enchentes fossem fortes o bastante para resistir a tempestades tão fortes que, segundo as projeções de computador, só ocorreriam a cada 10 mil anos.
Caso um dique se rompesse em Flevoland, uma área quase três vezes maior que Manhattan e construída inteiramente sobre terras que já estiveram sob o mar, seriam necessárias apenas 48 horas para que a província ficasse completamente submersa, afirmou Van Dijk. Ele é responsável pela manutenção dos diques da província, o que inclui matar os ratos-almiscarados que enfraquecem as barragens com os ninhos profundos que cavam para proteger suas crias.
- Ou matamos os ratos, ou deixamos que a água nos mate - afirmou Peter Glas, presidente da Associação Holandesa das Autoridades Hídricas Regionais - também conhecidas como "Waterschappen", ou "conselhos hídricos" em holandês -, grupos eleitos pelas comunidades locais desde o século XIII e com autonomia para cobrar impostos.
Glas disse ter ficado chocado com as imagens que viu na TV, mostrando prédios alagados na baixa Manhattan, imaginando como o local teria se saído caso tivesse "adotado uma abordagem holandesa para resolver o problema". Segundo ele, os americanos "estão mais preocupados em proteger a si mesmos e a suas famílias", uma atitude que dificulta a mobilização de verbas e atenção pública com o objetivo de prevenir desastres com antecedência.
Ainda que o país tenha investido pesado no controle de enchentes, Kuijken, o comissário delta, afirma que isso não é desperdício de verbas, pois envolve cuidadosos cálculos de custo-benefício.
O governo holandês gasta atualmente cerca de 1,3 bilhão de dólares por ano com o controle das águas; além disso, os conselhos hídricos gastam outros milhões com a manutenção de diques e canais, com a caça aos ratos-almiscarados e com o bombeamento de água das "polderland" - antigos pântanos, lagos e áreas de mar que se tornaram habitáveis com a ajuda de barragens.
Investimentos de capital em grandes projetos de construção acrescentam mais alguns bilhões à conta. O Plano Delta, um programa de construção iniciado após a enchente de 1953, custou cerca de 13 bilhões e demorou quatro décadas para ficar pronto. Construída em Roterdã para combater enchentes causadas por tempestades, a Maeslantkering é uma barragem móvel cuja extensão equivale a duas torres Eiffel. O projeto ficou pronto em 1997 e, tirando os testes, só precisou ser utilizado uma vez, em novembro de 2007.
Enquanto os caçadores de ratos-almiscarados de Flevoland saíam em busca dos roedores, o herdeiro ao trono holandês, príncipe Willem-Alexander, reunia-se com outras autoridades em Lelystad para a abertura do Centro de Gestão Hídrica. A nova unidade central de controle foi equipada com uma série de computadores que exibem dados atualizados sobre os níveis da água, a força dos ventos e outras ameaças potenciais às barragens construídas para afastar o Mar do Norte, o Reno e três outros importantes cursos d'água que cruzam a Holanda.
No dia seguinte, um grupo de cientistas, engenheiros e executivos da indústria nacional de controle a enchentes reuniu-se em Roterdã para comemorar o "dia da hidrologia" - e para trocar ideias sobre como levar o conhecimento holandês para Nova York.
Bas Jonkman, professor de engenharia hidráulica da Universidade de Tecnologia de Delft, realizou uma apresentação comparando desastres em diversos lugares do mundo - Holanda em 1953, Nova Orleans em 2005, norte do Japão após o tsunami do ano passado e o furacão Sandy em Nova York. Desde 1953, as barragens holandesas aguentaram praticamente tudo, apesar da tragédia que foi evitada por pouco, no início dos anos 1990, levando à evacuação de 250.000 pessoas e de quase o mesmo número de vacas e porcos.
Em função do sucesso holandês, Jonkman afirmou em uma entrevista que "precisamos sair para ver como os sistemas de gestão de enchentes de outros países reagem a situações extremas". Ele acrescentou que Nova York é um caso particularmente interessante em função da população densa e das similaridades geográficas com a Holanda.
Segundo ele, a resposta holandesa aos eventos nova-iorquinos "seria a construção de barragens maiores", mas a resposta melhor e mais barata talvez esteja em soluções locais, como entradas antienchente em estações de metrô e garagens. "É preciso ser cuidadoso para não apenas copiar as soluções holandesas", acrescentou.
No último século, o país se dedicou basicamente a projetos de grandes proporções. A província de Flevoland nasceu de um surto de construções ocorrido após a enchente de 1916. Uma barragem de 30 quilômetros de extensão protege o Zuiderzee, um braço do Mar do Norte, transformando sua porção norte em um lago de água doce e o extremo sul na área de Flevoland.
Kuijken afirmou que o pensamento holandês evoluiu e existem novas prioridades e métodos para "aumentar as barreiras de uma forma natural". O Estado está investindo em um plano chamado "Espaço para os Rios", que visa diminuir as enchentes, dando espaço de vazão para as águas. No ano passado, o país gastou cerca de 100 milhões de dólares para assorear 20 milhões de metros cúbicos na costa ao norte de Roterdã, promovendo a formação de uma barreira protetora.
Para Nova York, a Arcadis, uma empresa holandesa de consultoria, propõe a construção de uma barreira móvel próxima à ponte Verrazano-Narrows. Mas, segundo Mathijs van Ledden, que trabalha para a empresa holandesa Royal HaskoningDHV, "o grande desafio em Nova York é conseguir o dinheiro necessário para proteger toda a região".
The New York Times
Holanda é exemplo na prevenção de enchentes
Governo investe forte na manutenção de diques e canais, no controle das águas e no combate aos ratos-almiscarados, uma grave ameaça à avançada rede de proteção contra tempestades holandesa
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