Zero Hora - Os sinais de fragilidade do governo Al-Assad são suficientes para a queda?
Reginaldo Nasser - O quadro mudou substantivamente em uma semana. Houve uma série de eventos, e o desaguar desses acontecimentos foi o atentado de ontem (quarta-feira). Ainda que faltem informações precisas, podemos fazer inferências. Foi um atentado na sede de um ministério da maior importância, na capital. Os combates começaram em Damasco há menos de uma semana. Tudo isso demonstra uma fragilidade do governo que até então não se manifestava. Diferentemente do Egito, da Líbia e da Tunísia, as revoltas na Síria começaram na periferia, nas pequenas cidades, no meio rural. A Síria tem a maior população rural do Oriente Médio, e a revolta chegou às grandes cidades. É difícil o governo se sustentar. A questão é quando vai cair e a que custo isso irá ocorrer. Se ele estivesse muito forte, seria esperado um pronunciamento para a nação. Isso não aconteceu. Lembra um pouco o que acontecia com Hosni Mubarak (Egito) e Muamar Kadafi (Líbia). Denota fragilidade do governo.
ZH - Que variáveis ainda podem ser decisivas para a saída do presidente?
Nasser - Além das variáveis internas, o decisivo deve ser a Rússia, pelo apoio que deu até agora, não permitindo intervenção. A Rússia deve estar cada vez mais ciente de que o regime não tem como se sustentar, mas não quer perder influência num possível novo governo e precisa negociar a transição. Houve encontros da oposição em Moscou com o ministro das Relações Exteriores. Até um tempo atrás, isso seria inimaginável. É um sinal de que o problema é acertar a saída do presidente.
ZH - Qual é a importância da Síria na geopolítica mundial?
Nasser - A Síria já teve mais importância, quando era o grande ator que influenciava a política no Líbano e na Palestina nas questões com Israel. A disputa entre grupos políticos do Líbano, nos anos 70 e 80, se dividia entre os que a Síria apoiava e os que eram apoiados por Israel. O grande aliado da Síria é o Hezbollah, que volta e meia tem problemas com Israel. De outro lado também, a Síria, apoiando grupos palestinos, era um fator chave no conflito no Oriente Médio. Nesses últimos anos, ela foi diminuindo sua importância e foi crescendo a do Irã. Hoje, o maior aliado do Hezbollah é o Irã, e a Síria é mais uma correia de transmissão do Irã do que o diretor da política.
ZH - Por que a resistência russa?
Nasser - No fundo, toda a celeuma se dá pela Rússia. A Rússia faz questão de ter influência na Síria. É um dos únicos lugares fora da ex-União Soviética em que a Rússia tem influência hoje. O fato de dizer que a Rússia perdeu soaria muito mal. O país ainda faz parte do quarteto com EUA, Grã-Bretanha e ONU para discutir questões do Oriente Médio, do Irã. E a Rússia quer ter influência nisso.
ZH - Qual o significado para o futuro da Primavera Árabe?
Nasser - Pode significar a expansão de outro lado do conflito. Fortalece os apoiadores da queda de Al-Assad, a Arábia Saudita e a Irmandade Muçulmana, que é a grande ONG do Oriente Médio e que ganha poder agora com a presidência do Egito. Membros da Irmandade Muçulmana foram assassinados pelo pai de Al-Assad. Tem um simbolismo muito grande. Cai Kadafi, cai Mubarak, cai Al-Assad. Por outro lado, a primavera árabe poderia se estender a outros países, como a Arábia Saudita.
ZH - Debilitaria o Irã?
Nasser - Sim, debilitaria. Os atores não ficam parados. Provavelmente nesse momento, em que entendem que Al-Assad não pode se sustentar, vão procurar aliados para a transição.
ZH - Um novo governo teria uma visão mais pró-Ocidente?
Nasser - Não dá para saber. Ninguém sabe direito o que é essa oposição síria. Não há unidade, a gente não sabe quem fala. Podemos ter uma hipótese, provavelmente, a Irmandade Muçulmana é um fator poderoso. Vai ser um elemento.