Manama, Bahrein - Três jovens estavam caídos num tapete, gemendo com a dor causada pelo chumbo de caça alojado em uma bochecha, uma testa e uma pálpebra.
Os protestos noturnos de Bahrein haviam feito suas vítimas, como de costume.
Amigos haviam arrastado os homens para longe dos conflitos e das tropas de choque, para um abrigo secreto perto dali. Logo, eles foram obrigados a deixar o abrigo, mas não para um hospital: Havia policiais lá também.
- Ninguém vai para o hospital - disse um dos manifestantes.
Ao invés disso, os homens viajaram para uma de dezenas de casas espalhadas por esta nação insular, onde uma rede secreta e crescente de cuidadores - entre eles médicos e paramédicos, além de pessoas sem qualquer experiência médica - espera diariamente para atender os feridos das manifestações. As casas não são verdadeiramente hospitais de campo, mas apenas salas de espera, e muitas vezes contam apenas com ataduras e gaze.
Para os manifestantes feridos, as casas servem como substitutos do maior hospital público do país, o Complexo Hospitalar Salmaniya, que tem sido um local importante no conflito entre a monarquia reinante de Bahrein e seus oponentes desde o começo do levante popular, em fevereiro de 2011. Ativistas afirmam que, por causa da presença pesada de forças de segurança no hospital, os manifestantes, ou qualquer pessoa que tenha medo de ser associada às forças de oposição, temem utilizar seus serviços há mais de um ano.
Autoridades e ativistas afirmam que esse temor pode ter causado várias mortes.
Na primavera do ano passado, o hospital tornou-se símbolo da repressão do Estado, quando o governo prendeu manifestantes, médicos e enfermeiras por seu envolvimento com o levante. À medida que seus problemas persistiram, o Salmaniya passou a representar o perigoso impasse no qual o país se encontra, marcado pelo fosso crescente entre a maioria xiita, que há tempos acusa o governo de discriminação oficial, e a elite política sunita.
As autoridades continuam a perseguir médicos xiitas que trabalhavam no hospital, acusando-os de crimes como conspiração para derrubar o governo. Alguns médicos afirmam que suas detenções não foram nada mais que uma remoção de xiitas do sistema de saúde, para que eles pudessem ser substituídos por sunitas leais ao governo.
Um relatório divulgado no dia 21 de maio pela organização Physicians for Human Rights afirma que os problemas atuais no Salmaniya resultam da conduta das forças de segurança no hospital e nos seus portões. Pessoas entrevistadas pela organização disseram que guardas estariam parando carros que chegam ao hospital e interrogando os passageiros. Eles perguntam de que vilarejo os passageiros vêm, para descobrir se são xiitas ou sunitas.
Pessoas feridas, entre elas algumas possivelmente sofrendo problemas causados por bombas de gás lacrimogênio, estariam sendo levadas para o interior do hospital para interrogatórios mais detalhados. O relatório afirma que o diretor executivo do hospital, Dr. Waleed Khalifa al-Manea, pediu ao Ministério do Interior, que controla a segurança no Salmaniya, que suspendesse essas práticas.
Uma mulher de 27 anos disse que os temores relacionados ao hospital, que ela descreveu como "militarizado", levaram-na a fazer um curso de primeiros socorros, para poder ajudar os manifestantes em seu vilarejo e em outras regiões. A mulher, que pediu para não ser identificada por temer represálias, disse que o curso, organizado em segredo em um centro comunitário xiita, foi ministrado por um médico que havia sido preso no hospital Salmaniya na primavera. Segundo ela, outras trinta e sete pessoas fizeram o curso, entre elas algumas avós.
Hoje, a mulher viaja com equipamentos médicos em sua bolsa para manifestações aprovadas pelo governo e organizadas pelas forças oficiais de oposição, assim como para os conflitos mais comuns entre jovens manifestantes e a polícia. Nestes, os ferimentos costumam ser causados por dispositivos incendiários usados pelos manifestantes, e pelo gás lacrimogênio e chumbo de caça atirados pela polícia contra eles.
Ela disse que, no começo, o trabalho foi assustador, mas que acabou se acostumando.
- Isso se tornou normal - disse a mulher, em uma entrevista em um dos abrigos secretos. - Não passamos um ou dois dias sem ver ferimentos.
Uma mulher de 23 anos, Zeinab, veio receber tratamento para um ferimento no braço, causado, segundo ela, por um policial, que a acertou com uma bomba de gás lacrimogênio de cerca de um metro de distância enquanto ela filmava uma manifestação.
Ela havia ido para um hospital público, mas uma operação em seu braço havia dado errado. Agora, os médicos estavam trabalhando em segredo para cuidar de sua ferida até que ela pudesse fazer outra operação.
Tanto as autoridades governamentais quanto os ativistas concordam que o medo de procurar os hospitais tem levado a diversas mortes, mas, segundo o relatório da Physicians for Human Rights, um dos motivos dessa aversão é uma ordem lançada pelo governo em janeiro e direcionada a hospitais e clínicas particulares, que exige que eles informem as autoridades não apenas sobre suspeitas de atividades criminosas, mas também sobre "acidentes, independentemente de suas causas". Um médico disse à organização que alguns dos hospitais particulares haviam simplesmente parado de atender manifestantes, e que ele havia parado de detalhar a causa do ferimento nas fichas de alguns de seus pacientes.
O relatório afirma que a lei "não apenas subordina as necessidades do paciente às do Estado, mas também propaga o medo entre a população".
O Dr. Ghassan Dhaif, que hoje trabalha em um hospital particular, disse ter atendido em maio um homem que havia fraturado a mandíbula durante um conflito com a polícia. No mesmo dia, forças de segurança do governo interrogaram o paciente e, no dia seguinte, o homem ferido, temendo ser preso, deixou o hospital.
Dhaif, que esteve entre os 48 presos no Salmaniya, disse que, por causa da remoção de médicos xiitas no centro hospitalar, os pacientes que continuam sendo atendidos lá estão recebendo tratamento de baixa qualidade. "
- Vi ferimentos terríveis e mal suturados - ele disse. - Eles destruíram o sistema de saúde em todo o país.
Seu antigo colega de trabalho, o Dr. Jassim al-Mehza, que ainda é diretor da unidade de emergência do Salmaniya, negou que isso seja verdade, afirmando que o hospital havia sofrido com falta de funcionários "em algumas áreas" no passado, mas que já havia contratado novos médicos. Em uma entrevista, ele disse que muitos dos manifestantes eram atendidos no Salmaniya e liberados sem ser interrogados. Segundo ele, as forças de segurança "nunca impedem que um paciente seja admitido na sala de emergências".
- Acreditamos que a presença das forças de segurança seja obrigatória - ele disse. - É uma reação ao que ocorreu no ano passado.