Mirandola, Itália - Com cada novo chacoalhão, alguma coisa cai na cidade ou novas rachaduras aparecem por aqui.
- É como receber uma lista diária dos mortos na guerra - afirmou Carla Di Francesco, supervisora do patrimônio cultural nesta parte do norte da Itália. O segundo de dois grandes terremotos ocorridos em maio "agravou ainda mais a situação de emergência, e nós tivemos que começar a monitorar tudo do começo".
Equipes de historiadores da arte, restauradores, arqueólogos e engenheiros acompanhados por bombeiros estão avaliando a extensão dos danos aos edifícios históricos, causado pelos terremotos na região de Emília-Romanha, em uma sequência de desastres que continua a aumentar.
Os terremotos - o primeiro, ocorrido em 20 de maio, com uma magnitude de 6 graus e o segundo, com uma magnitude de 5,8 graus, ocorrido em 29 de maio - mataram 24 pessoas e forçaram cerca de 15.000 pessoas a sair de suas casas. Eles revelaram a vulnerabilidade de muitas estruturas modernas, destruindo incontáveis armazéns e fábricas, mas também derrubaram monumentos históricos da região.
Dezenas de igrejas agora mostram seus ferimentos, e torres ruíram como se fossem feitas de palitos de fósforo. Palácios, fortalezas e museus foram fechados e agora estão fadados a um futuro de incertezas.
Naturalmente, há diferentes níveis de danos. Contudo, em alguns casos, como os da Igreja de San Paolo, em Mirabello, e da Igreja de San Martino, em Buonacompra - que foram rasgadas ao meio -, não há muito que se possa fazer.
Os custos ao patrimônio cultural italiano ainda não foram calculados, mas poucas pessoas acreditam que um Ministério da Cultura debilitado - isso sem falar no Estado - será capaz de financiar as restaurações neste momento em que a Itália e toda a Europa passam pela pior crise econômica da história da zona do euro.
Muitas igrejas e prefeituras abriram contas bancárias e estão pedindo contribuições para as atividades de reconstrução, ou estão recorrendo a empresas da região - como a Ferrari e a Ducati. Mas até mesmo as estimativas improvisadas feitas pelos especialistas e pelas autoridades do Ministério da Cultura deixam os custos prováveis em milhões de dólares.
Andaimes de emergência foram montados e paredes foram escoradas. Tijolos estão sendo recuperados e numerados, quando possível. Artefatos móveis, como pinturas, estátuas, arquivos e móveis e vestimentas eclesiásticas estão sendo levados ao Palácio Ducal em Sassuolo, transformado pelo Ministério da Cultura em armazém temporário. As obras estão sendo catalogadas e as autoridades esperam que um dia elas sejam restauradas.
Os terremotos também atingiram cidades artísticas como Ferrara, Modena e Mântua. O Palácio Ducal em Mântua, que contém celebrados afrescos feitos no século XV por Andrea Mantegna, foi fechado ao público "até termos dinheiro para consertar essas fissuras", afirmou Giovanna Paolozzi Strozzi, a superintendente de arte de Modena, como precaução depois que grandes rachaduras apareceram no telhado.
O terremoto de 29 de maio foi o golpe de misericórdia de muitas estruturas que já estavam enfraquecidas.
Em Pieve di Cento, os abalos destruíram a cúpula da Igreja de Santa Maria Maggiore, jogaram destroços sobre a nave e ameaçaram pinturas feitas por renomados artistas barrocos, como Guercino, Guido Reni e Lavinia Fontana e que agora estão expostas aos elementos da natureza.
Na cidade de Mirandola, mais conhecida como a cidade natal do famoso filósofo renascentista Giovanni Pico della Mirandola, a catedral do século XV foi reduzida a escombros. A Igreja de San Francesco - o panteão da família - também foi destruída.
A lista de danos é interminável.
Em Finale Emilia, a antiga torre do relógio, construída no século XIII, era o símbolo da cidade e ruiu no primeiro terremoto, e a Rocca Estense, uma antiga fortaleza do século XV, perdeu suas torres adossadas. Pequenas rachaduras cravejam as paredes da fortaleza construída no século XIV, próxima a San Felice sul Panaro. Os moradores temem que ela logo desabe.
A fortaleza estava entre os edifícios que sobreviveram ao último grande terremoto da região de Emília-Romanha, que ocorreu em 1570 e desencadeou tremores periódicos durante quatro anos. Depois disso, a terra ficou adormecida por 450 anos.
Na verdade, a região de Emília-Romanha era considerada de baixo risco para terremotos. Durante quatrocentos anos, edifícios foram construídos "sem qualquer cultura sísmica" e por essa razão muitos deles, incluindo igrejas, sucumbiram, afirmou Gian Michele Calvi, professor de engenharia sísmica da Universidade de Pavia.
- O terremoto de 1570 foi um dos mais famosos da história da sismologia - acrescentou Calvi. E deu origem a um tratado escrito por Pirro Ligorio sobre como construir edifícios que resistissem a terremotos - instruções que não foram colocadas em prática anos mais tarde. Acredita-se que Ligorio, um arquiteto e antiquário do século XVI, tenha projetado o primeiro edifício à prova de choques.
O impacto psicológico na região pode ser tão profundo quanto o impacto físico.
- O problema é que essa não era uma área sísmica e, por isso, a reação dos cidadãos foi ainda mais intensa - afirmou Fabrizio Toselli, o prefeito de Sant'Agostino, cuja prefeitura construída no século XIX ficou com um enorme buraco na parede. - Nosso território foi distorcido; nada mais é como era antes.
Dentro do prédio, no teto do segundo andar daquela que já foi considerada uma das prefeituras mais elegantes da Itália, encontra-se um gigantesco e pesadíssimo lustre de Murano que foi presenteado por Italo Balbo, amigo íntimo de Mussolini, e que milagrosamente sobreviveu ao terremoto. As autoridades do governo esperam salvá-lo com a ajuda de uma equipe de bombeiros especializados em recuperar artefatos de situações perigosas.
- Eles têm uma particularidade acrobática que os torna muito úteis - afirmou Fabio Carapezza Guttuso, alto funcionário do Ministério da Cultura, referindo-se aos bombeiros.
Segundo Paolozzi Strozzi, a superintendente de arte de Modena, o problema é que não há profissionais em número suficiente para todos os lugares.
- Eles estão abarrotados de trabalho - afirmou.
Nem todos os artefatos estão na lista principal, mas muitos deles são importantíssimos para as comunidades locais. Em Rovereto sulla Secchia, durante o segundo tremor, o padre da paróquia morreu enquanto tentava recuperar uma imagem da Virgem que estava em sua igreja.
- Nenhuma de nossas igrejas nessas áreas ficou aberta - mesmo que apenas por precaução, afirmou Anna Maria Bertoli Barsotti, que trabalha para o escritório de patrimônio cultural da Diocese de Bolonha, que engloba diversas cidades atingidas pelo terremoto.
Quase todas as suas igrejas históricas foram afetadas, e cada uma delas está sendo meticulosamente examinada e catalogada pelas equipes que foram ao local. Missas e outras atividades religiosas estão sendo realizadas em tendas ou espaços públicos.
- Atualmente, estamos apenas tentando limitar os danos - afirmou Bertoli Barsotti. Após o terremoto do dia 29 de maio, a lista de monumentos afetados na diocese aumentou significativamente, com a inclusão das igrejas de Santo Stefano e San Petronio, em Bolonha, as joias da cidade. Mas Bertoli Barsotti desconsiderou a possibilidade de que os dois edifícios estejam realmente em perigo.
Na paróquia de San Felice, uma cidade medieval no centro da região, um relógio de pêndulo localizado na reitoria ficou parado às 4h03, servindo de lembrança permanente do momento em que o primeiro terremoto roubou o sono de milhares de pessoas e destruiu o telhado da igreja.
O segundo tremor causou mais danos à igreja que dá nome à cidade, construída no século VI, mas ampliada durante séculos, até este último golpe.
- É praticamente impossível recuperá-la - afirmou Antonio Cantiello, o sacristão.
Em Pieve di Cento, o jovem prefeito Sergio Maccagnani está preocupado como o futuro da cidade e com a tarefa que tem à frente. Mas ele afirmou que buscou inspiração na energia de seus ancestrais.
- Nossos avós sobreviveram a tempos muito mais difíceis - afirmou, referindo-se às dificuldades da Segunda Guerra Mundial e aos anos de pobreza que se seguiram a ela. - A Itália foi destruída e eles reconstruíram o país, e nossa geração também pode fazer o mesmo - afirmou. - Nós precisamos apenas agir de forma responsável.