Há seis semanas, a comunidade internacional deposita em um plano de paz de seis tópicos - assentado apenas na palavra de um ditador - a esperança para o fim do conflito que já matou mais de 10 mil pessoas na Síria. Desde então, algo mudou: o regime, que cometia atrocidades sem testemunhas, segue matando na presença dos capacetes azuis, observadores das Nações Unidas.
Pela estimativa da Anistia Internacional, o que ocorreu desde 14 de abril (quando deveria entrar em vigor o acordo arquitetado pelo emissário da ONU Kofi Annan) é a evidência da tragédia: 1.339 mortes. Nesse cômputo, entre rebeldes cada vez mais armados e militares mais equipados, estão jovens que saem às ruas com cartazes para protestar, mulheres e crianças atacadas a tiros ou bombardeadas em suas casas. Isso sem falar nas vítimas das bombas de atentados suicidas, ainda sem autoria confirmada.
Do domingo à noite até ontem, enquanto a cidade de Houla enterrava as 108 vítimas (dezenas de crianças) de um massacre cometido na sexta-feira, bombardeios em Hama matavam mais 41 pessoas. Tudo nas barbas de Annan, que se sentava com o chanceler sírio, sob o olhar do presidente Bashar al-Assad em um quadro pendurado entre os dois. Annan se disse horrorizado com a violência e convocou o governo a provar que fala a verdade quando sugere encontrar uma solução pacífica. O regime de Damasco nega a autoria dos ataques e justifica o forte aparato militar como forma de manter a segurança.
A estrutura do poder de Bashar al-Assad sobrevive praticamente intacta à Primavera Árabe que em 2011 varreu os governos do Egito, da Tunísia, do Iêmen e da Líbia - de forma sangrenta. Mas como explicar a força desse presidente que estudou oftalmologia em Londres (e conta ter optado por essa especialidade por ter ojeriza a sangue) e sucedeu seu pai só porque o irmão mais velho morreu em um acidente? Uma das interpretações é o aparato de repressão e a corrupção. A outra é o respaldo que o governo tem da Rússia e da China, que até domingo vinham vetando condenações contundentes a Al-Assad no Conselho de Segurança da ONU. Sem falar na ajuda do Irã e do grupo extremista Hezbollah.
No fim de semana, nem Rússia nem China puderam fechar os olhos para o massacre de Houla e votaram pela condenação da ONU ao regime, no que parece ser o isolamento de Al-Assad. O horizonte de mudança, porém, está novamente nebuloso após o governo russo ter relativizado ontem a responsabilidade de Damasco no ataque.
REPULSA MUNDIAL
O sangue transborda na Síria
Mais 41 pessoas morreram em ataques de forças do governo em Hama, mesmo com a visita do enviado especial da ONU
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