Nova York - Na base de uma escadaria na estação de metrô de Union Square, um artesão concentrava-se em seu delicado trabalho, manobrando um pedaço de papel de origami pelas lâminas meio abertas de uma tesoura.
- A tesoura não mexe, apenas o papel mexe - disse ele ao passageiro que posava. - Rapaz bonito - gracejou ele. - Quantos anos tem? Gosto do seu cabelo.
As bordas do papel quase tocavam o piso sujo, forrado de chicletes. Ele desdobrou o papel e revelou um retrato complexo, levemente caricaturado, do rosto do passageiro, incluindo cabelo e rugas. Ele o colou numa parede de azulejos brancos, ao lado de outros retratos, alheio às rajadas de vento dos trens que ameaçavam lançar suas frágeis criações sobre os trilhos.
Numa placa de espuma abaixo havia dezenas de outros personagens do metrô: homem com rastafári, mulher com brinco de argola, homem careca com óculos. Ele se ofereceu para repetir a façanha sem olhar o rosto do passageiro.
- Na América, somente eu - disse ele sobre sua habilidade. - Na China, somente eu. Isto é exclusivo.
No congestionado mundo dos artistas do metrô, onde se misturam grupos de dança, rodas de conga e violinistas, Ming Liang Lu, de 57 anos, é uma presença fascinante. Autodescrito como "mestre cortador de retratos em papel", ele tem a habilidade de produzir retratos num frágil papel em questão de minutos, fazendo alguns passageiros perderem deliberadamente seus trens.
Liang Lu pratica diversas formas de arte da antiguidade chinesa, e garante vir de uma respeitada linhagem de professores em Xangai. Nos finais de semana, ele ensina caligrafia, pintura e corte no Centro Cultural Chinês de Nova York. Ele conta que em Xangai, sua cidade natal, ele era conhecido por suas esculturas em rocha e pelo entalhe de carimbos. le atribui os retratos faciais aos seus estudos formativos em forma tridimensional.
O corte em papel surgiu na dinastia Han, mas é tradicionalmente associado a animais e flores. Os retratos podem ser uma criação exclusiva de Liang Lu.
- Você não encontrará ninguém fazendo rostos - afirmou Alex Gombach, um dos alunos mais antigos de Liang Lu. - Isso é realmente algo só dele.
- Quando você vê aqueles rostos do metrô em sua totalidade, é como um retrato de Nova York - prosseguiu Gombach. - Você tem uma jovem negra, um judeu ortodoxo, um cara branco. É uma história nova-iorquina.
Numa recente noite de quinta-feira, com jornais chineses espalhados aos seus pés, Liang Lu aparava o rosto de um passageiro enquanto Jason Kraut, de 39 anos, filmava-o com seu smartphone. Um trem partiu para dentro do túnel, ameaçando desalojar suas obras, mas Liang Lu continuou girando o papel dobrado pela tesoura, ignorando o barulho.
Kraut, que sempre passa por Liang Lu quando vai a Park Slope, no Brooklyn, analisava os recortes como se estivesse num museu.
- Isso me lembra de Chet Baker soprando aquelas notas - disse ele, referindo-se ao famoso trompetista de jazz. - Não faço ideia do que está acontecendo. O mesmo com isto.
E decidiu:
- Preciso ter um.
Liang Lu fica feliz quando um passageiro compra um retrato - ele aceitou US$ 20 por um trabalho pequeno -, mas também fica feliz apenas recortando um rosto interessante.
- Não é o dinheiro - explicou ele. - É o rosto.
Outra sessão atraiu uma multidão de passageiros com mochilas, com direito a pedidos de silêncio e expressões de admiração. Liang Lu reconheceu uma das pessoas na plateia, Kristen Mucci, e lhe deu um abraço.
- Como está seu marido? - ele perguntou antes de voltar ao trabalho. Dois anos antes, Mucci havia contratado Liang Lu para seu aniversário.
- Ele foi um sucesso absoluto - disse ela. - Foi num bar em Williamsburg. Algo diferente. Metade do retorno é vê-lo criar obras tão frágeis e delicadas. É como se ele estivesse apenas tocando num pedaço de papel, mas cada um sai diferente. Não é um enlatado.
Liang Lu não é delicado como suas criações. Ele tem cabelo preto curto, e o cheiro de cigarro o acompanha. Seu inglês é rudimentar, mas eficaz o bastante para lançar elogios irresistíveis e fazer os passageiros posarem.
Ele retomou sua rotina na noite seguinte, folheando seu Diário de Sing Tao até perceber um rosto com potencial.
- Você não gostar, você não pagar - disse ele enquanto começava a recortar o formato do rosto de um homem barbudo. O passageiro saiu quando seu trem chegou, e Liang Lu terminou o retrato com precisão, sem ajuda visual. Ele o pregou na parede e voltou ao seu jornal.
Mais tarde, Raymond Colletti, intrigado pelas imagens tridimensionais penduradas na parede do metrô, se aproximou.
Liang Lu surgiu por detrás do jornal.
- Como vai, meu amigo? - disse ele. - Rapaz muito bonito. Você não gostar, você não pagar.
Frente ao argumento, Colletti não teve muita escolha. Liang Lu começou a recortar enquanto um trem passava, ruidosamente.