Neil Sammonds é responsável pelo relatório anual da Anistia Internacional sobre direitos humanos. Com base em entrevistas - já que a organização não tem permissão para entrar em território sírio -, Sammons relatou crimes contra a humanidade cometidos pelo regime em 2011 e que se tornaram ainda mais graves em 2012. Para o pesquisador, não há saídas a curto prazo para deter a carnificina. Leia a entrevista concedida de Londres a Zero Hora por telefone, ontem.
Zero Hora - Como explicar o agravamento da situação na Síria, mesmo com o cessar-fogo?
Neil Sammonds - A situação já estava terrível. O regime age impunemente contra uma maioria de civis, com tortura, desaparecimentos. Agora, temos esse plano de paz de seis pontos de Annan, que é fraco. Como princípio, é bom, mas não há forma de assegurar que as autoridades o cumpram. E a oposição também está armada. Desde 14 de abril, tivemos 1.339 pessoas assassinadas.
ZH - O plano de Annan deu oxigênio ao regime?
Sammonds - Sim, muitos sírios veem como um oxigênio ao regime. É uma situação difícil em particular pelos vetos da Rússia e também da China. Também a posição do Brasil não ajudou muito. Foi fraca ao não condenar os crimes contra a humanidade cometidos pelo governo. Por isso, Al-Assad está bastante confortável para continuar matando e torturando sem medo.
ZH - O que a comunidade internacional pode fazer?
Sammonds - A Anistia Internacional é contra qualquer intervenção militar. A melhor maneira de terminar com a violência é o Conselho Nacional levar a situação à Corte Penal Internacional. Gostaríamos de ver o governo permitindo a entrada de investigadores independentes chamados pela ONU. Eles publicaram seu terceiro relatório na semana passada, mas sem que os investigadores pudessem entrar no país.
ZH - O que fazer para parar a violência imediatamente?
Sammonds - Em fevereiro, a comissão enviou uma lista de responsáveis pelos crimes à ONU. Esperamos que algum dia, não muito distante, essas pessoas respondam pelo que fizeram. Em outros locais, como na América do Sul, as pessoas esperaram 30 ou 40 anos para ver a Justiça ocorrer. Esperamos que seja mais rápido na Síria. Mas no curto prazo, a menos que a Rússia mude sua posição, o futuro parece ser desolador.
ZH - O que pode ser feito se a Rússia mudar sua posição?
Sammonds - O Conselho de Segurança é o único organismo que pode levar a situação à Corte Penal Internacional. E, se isso ocorrer, os líderes poderão ser presos. A Rússia tem enviado armas para Damasco, que estão sendo usadas para matar a população. É o parceiro mais importante para a Síria, assim como Irã é importante, como a União Europeia já foi. A Rússia poderia dificultar a vida do regime sírio, que está vivendo na sombra do apoio da Rússia.
ZH - E a China?
Sammonds - Não está tão perto como a Rússia. Se a Rússia mudar sua posição, a China não irá querer ser o único país a dar apoio ao regime. Deve se calar.
ZH - Quais as diferenças com o caso da Líbia?
Sammonds - Muamar Kadafi tinha menos apoio na Líbia, na região e no mundo do que Bashar al-Assad tem dentro e fora do país. É muito mais difícil mudar a situação na Síria do que na Líbia. A geografia do país também é mais difícil. Na Líbia, a oposição tomou conta de áreas ao redor de Benghazi como base, mas a Síria é menor, mais povoada, é mais difícil para os rebeldes terem uma base. Outra questão é que muitos países pensam que a Otan extrapolou a resolução da ONU no caso líbio para proteger civis e usaram para atacar o governo (por isso, não respaldariam novas resoluções que abrissem brecha para uma intervenção militar).
ZH - Há apoio da população?
Sammonds - As pessoas cresceram doutrinadas pelo regime. Há também quem prefira ser regrado pela minoria alauíta, que protege outras minorias, a ter uma maioria sunita no poder. Mas há outros interesses por trás. Se você vai para a universidade, há a expectativa de que você seja do partido Baath. Se consegue um emprego, deve ser do partido.
ZH - Quem está matando?
Sammonds - Conforme as pessoas que entrevistamos, quem mata e ataca civis são apoiadores do regime, membros da inteligência. Eles entram nas casas, matam as pessoas. Houve ataques do exército com tanques, mas também houve ataques dos rebeldes. O que ocorre lá não é 100% preto ou branco, mas o regime atira contra manifestantes pacíficos.
vivian.eichler@zerohora.com.br
ENTREVISTA
Al-Assad está bastante confortável, diz pesquisador da Anistia Internacional
Neil Sammonds relatou crimes contra a humanidade cometidos pelo regime sírio
GZH faz parte do The Trust Project