No ano passado, quando ela se mudou de um quarto apertado em uma pensão para sua casa própria em um minúsculo terreno da região, Jeanette Munyai se juntou aos milhões de sul-africanos que receberam uma moradia decente por meio de um ambicioso programa iniciado pelo governo quando o apartheid acabou.
Orgulhosa de sua casa pela primeira vez na vida, ela imediatamente plantou milho, abóbora e tomate em uma parte de seu quintal. Só faltavam duas coisas: água encanada e eletricidade.
- Eles disseram que a água e a luz estavam a caminho, mas ainda estamos usando os arbustos como banheiro. Nós estamos esperando.
Munyai e seus vizinhos têm poucas chances de receber água ou eletricidade nos próximos tempos. O governo da província está falido e, para ela e seus vizinhos, os canos secos e as tomadas sem eletricidade se tornaram um símbolo dos danos causados pela corrupção e pelo nepotismo nessa província empobrecida do norte do país.
Há muito tempo a corrupção atormenta a África do Sul, mas a crise aqui na província de Limpopo levou a prática comum de distribuir contratos governamentais superfaturados para pessoas com amigos poderosos a sua conclusão lógica: a falência.
Autoridades provinciais excederam seu orçamento em cerca de US$ 250 milhões, quase sempre de forma questionável - ou escancaradamente fraudulenta -, com pagamentos governamentais e contratos com empresas privadas que se aproveitam de laços estreitos com os líderes políticos da província.
- Estão surgindo evidências de que alguns desses prestadores de serviços têm conexões políticas e que muitos deles podem ter conseguido seus contratos de maneira dúbia - afirmou Kenneth Brown, vice-diretor geral da Secretaria da Fazenda.
Dan Sebabi, líder em Limpopo da Cosatu, a poderosa central sindical aliada ao Congresso Nacional Africano, foi mais direto:
- Há líderes que são políticos durante o dia e empresários durante a noite - afirmou.
A corrupção e os gastos desnecessários minaram a capacidade do governo de combater a desigualdade. Apenas três dos 39 ministérios foram considerados limpos em auditorias realizadas pelo auditor geral da África do Sul no ano passado. Apenas sete de 237 cidades foram aprovadas pela inspeção no ano anterior.
- Nós pensávamos que a África do Sul pudesse ser diferente do resto dos países que nos antecederam no continente africano. Mas, no ritmo que as coisas estão acontecendo, alcançamos o cenário africano muito mais rapidamente do que poderíamos ter imaginado - afirmou Gilbert Kganyago, líder do diretório regional do Partido Comunista da África do Sul em Limpopo.
Um relatório feito recentemente pelo auditor geral demonstrou que, durante o último ano fiscal, funcionários do governo e suas famílias receberam US$ 15 milhões em contratos para trabalhar com o Ministério da Defesa, com a Receita Federal e com o Ministério do Interior, entre outros.
E os especialistas observam que isso não chega nem perto de explicar os muitos milhões de dólares que foram discretamente concedidos a amigos e outros parceiros. Praticamente desde que foi eleito para o governo em 1994, após décadas de lutas para acabar com o apartheid, o CNA tem batalhado contra alegações de corrupção.
Jacob Zuma, o atual presidente, só assumiu o cargo depois que diversas acusações contra ele foram retiradas em meio a acusações de má conduta do Ministério Público. Mas a corrupção se tornou tão arraigada que está corroendo a alma da nação, afirmou Zwelinzima Vavi, secretário-geral de Cosatu, em um recente discurso para anunciar a formação de uma organização contra a corrupção, a Corruption Watch.
- Estamos caminhando em direção a uma sociedade na qual a moral de nosso movimento revolucionário - a abnegação, o serviço ao povo e o cuidado com os pobres e vulneráveis - está sendo ameaçada. Se não fizermos nada, ela será levada por uma onda de individualismo, uma atitude de "eu primeiro" e que se dane o resto. Alguns acreditam que já somos uma sociedade onde só o mais forte sobrevive, onde um luta contra o outro - afirmou Vavi.
A corrupção é um problema especialmente sério nos governos provinciais, que são responsáveis por realizar muitos dos serviços necessários para os pobres. Muitos políticos regionais poderosos utilizam o cargos para enriquecer os amigos, formando círculos de elites ricas que lembram os chefes tribais que o governo do apartheid utilizava para administrar os bantustões minúsculos e pretensamente independentes onde os negros eram obrigados a viver.
Limpopo tem o segundo maior número de pessoas vivendo na pobreza em todo o país - 62%, de acordo com o Instituto de Relações Raciais da África do Sul. A taxa média de desemprego na província é de 40%, mas ela é muito maior entre os negros e os jovens. Sinais de desperdício e fraude estão em toda a parte.
Canos que deveriam levar água potável a comunidades carentes afligidas pela seca foram colocados incorretamente e estouraram, exigindo que todo o trabalho fosse feito novamente, de acordo com autoridades locais. Pequenas casas governamentais, como aquela em que Munyai vive, estão se despedaçando apenas alguns meses depois de serem construídas.
Como Munyai não tem água, ela utiliza seu banheiro como um armário e diversas vezes por dia é obrigada a caminhar por vários quarteirões até uma bomba de água comunitária. Ruas asfaltadas há um ano já estão cobertas de buracos.
- Esta rua não tem mais de dois anos. Eles gastaram milhões com ela e já está tudo estragado - afirmou Geoffrey Tshibvumo, conselheiro local do Congresso do Povo, um partido que rompeu com o CNA, enquanto era chacoalhado pelos buracos de uma estrada rural da província.
A crise está sendo preparada há algum tempo. No ano passado, a província ficou sem dinheiro e pediu um empréstimo de cerca de US$ 130 milhões ao governo central. Mas o governo se recusou a entregar uma soma tão grande sem antes olhar mais de perto os livros fiscais da província. Um rápido levantamento de suas contas mostrou que o tesouro local estava caótico.
Segundo a tesouraria central, funcionários estaduais haviam gastado US$ 360 milhões em pagamentos não autorizados e contratos milionários haviam sido celebrados sem licitação. A Secretaria de Educação tinha 2,4 mil professores em sua folha de pagamento além do previsto pelo orçamento, além de 200 professores "fantasma", que recebiam o pagamento, mas que não existiam de verdade.
A secretaria havia excedido seu orçamento em quase US$ 40 milhões, mesmo antes de encomendar livros e outros suprimentos para o ano letivo seguinte. Na Secretaria de Saúde, mais de US$ 50 milhões em mercadorias foram indevidamente encomendados, deixando o governo com praticamente nada para pagar os salários de médicos e enfermeiros.
Segundo o Ministério da Fazenda, contratos de obras públicas apresentaram evidências de ter sido manipulados para aumentar o custo dos projetos - e, provavelmente, os lucros dos empreiteiros. Gastos com consultoria abocanharam até um quarto do orçamento de infraestrutura.
Grandes contratos costumavam ir para um pequeno punhado de empresas, muitas das quais dirigidas por aliados próximos dos principais políticos da província, de acordo com documentos do governo provincial. Alguns funcionários alertaram que a província estava a caminho de uma crise.
Em fevereiro de 2011, um funcionário da Secretaria de Saúde enviou para um alto funcionário um memorando que denunciava os principais problemas com um contrato de suprimentos médicos. O delator afirmou que os preços de bandagens e curativos foram superfaturados e que a secretaria não seria capaz de utilizar as quantidades encomendadas.
Além disso, as autoridades haviam encomendado mais de US$ 30 milhões em mercadorias nos últimos dias do ano fiscal, em sua maior parte "etiquetas e formulários que não são remédios importantes e nem podem salvar vidas", de acordo com o memorando. Os preços de outras mercadorias foram incrivelmente inflacionados.
A atenção nacional para a crise em Limpopo é, em grande parte, um reflexo da política da província. Ela é o lar de Julius Malema, o controverso líder do grupo de jovens do CNA, suspenso do partido por cinco anos em função de seus comentários incendiários e de sua dura postura contra o presidente Zuma. O líder da província de Limpopo, Cassel Mathale, é um aliado político muito próximo de Malema.
Mas, segundo os analistas, outras províncias enfrentam uma versão menos intensa da mesma crise.
- Isso não acontece apenas em Limpopo - acontece no país todo. É a forma mais comum de enriquecimento entre as pessoas politicamente conectadas - afirmou Moeletsi Mbeki, analista político e empresário.
Brown, o vice-diretor do Ministério da Fazenda, afirmou que não houve motivação política para a decisão de intervir em Limpopo. A crise ameaçava a reputação financeira do país.
- Se você está em Nova York e quer investir na África do Sul, mas fica sabendo que o governo de uma província não é capaz de pagar seus professores e enfermeiros, o que você iria pensar a respeito da África do Sul? - comentou.