
Duas estudantes de medicina estão sendo denunciadas por exporem o caso de uma paciente nas redes sociais. A família de uma jovem que morreu em fevereiro, aos 26 anos, acionou o Ministério Público na última terça-feira (8).
As alunas Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano, que faziam um curso de extensão no Instituto do Coração de São Paulo (Incor), publicaram um vídeo no TikTok falando sobre uma paciente que passou por três transplantes de coração e um de rim.
No post, elas disseram que um dos transplantes de coração não foi bem-sucedido porque a paciente não teria tomado os medicamentos corretamente. A publicação é de 17 de fevereiro.
Nove dias depois, Vitória Chaves da Silva, a jovem que recebeu os órgãos, faleceu por insuficiência renal crônica e choque séptico. A família só soube do vídeo na semana passada, e pede uma retratação, afirmando que a causa da rejeição do coração foi outra (veja abaixo).
Entenda a denúncia
Ao g1, a irmã de Vitória, Giovana, disse que as estudantes passaram apenas um mês no Incor, e nem chegaram a conhecer a paciente. A desinformação sobre o caso, na opinião dos familiares, fez a jovem passar a ser criticada.
— Um amigo dela que mora na Holanda reconheceu a história e nos enviou. Ficamos em choque quando descobrimos — contou Giovana.
Gabrielli e Thaís não chegam a citar o nome de Vitória, mas descreveram o caso.
— Uma paciente que fez transplante cardíaco três vezes. Um transplante cardíaco já é burocrático, é raro, tem questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor — afirmou Thaís no vídeo, que foi excluído das redes sociais.
A outra estudante relacionou a rejeição do segundo transplante a uma suposta falta de cuidado da paciente.
— A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou e teve que transplantar de novo, por um erro dela. Agora, ela transplantou de novo, aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações — completou Gabrielli.
Thaís ainda ironizou, rindo:
— Essa menina está achando que tem sete vidas.
"Falta de ética"
Os parentes de Vitória decidiram registrar um boletim de ocorrência e procurar o Ministério Público. O Incor, que disse não estar ciente do vídeo, afirmou que a conduta das estudantes vai contra os preceitos éticos da instituição.
Thaís e Gabrielli não estavam matriculadas na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), vinculada do Instituto. Elas estavam em um programa de extensão em parceria com o hospital, mas vinham de outras instituições de ensino.
— Também fomos na faculdade de uma delas. Eles demonstraram repúdio ao ato. Queremos que elas se retratem conosco, porque tocou numa ferida muito aberta, e retratação em vídeo para que desmentissem e passar essa desinformação porque todo mundo está criticando minha irmã — disse Giovana.
Cardiopatia congênita
A irmã de Vitória explicou que a rejeição aconteceu por conta da doença do enxerto, uma complicação que pode acometer pacientes transplantados. O quadro acontece quando o órgão novo não reconhece as células do hospedeiro e passa a atacar o restante do corpo.
— Elas fazem essa afirmação e não foi isso. Nós temos prova com o testemunho da médica que cuidou da minha irmã por 22 anos. Ela teve doença do enxerto, que é normal dar em órgão transplantado — afirmou Giovanna.
Vitória nasceu em Goiás e foi diagnosticada com uma doença chamada anomalia de Ebstein, que afeta uma válvula do coração. É uma forma de cardiopatia congênita, ou seja, ela já nasceu com a condição. A equipe média havia dado apenas 15 dias de vida para a bebê.
Após várias cirurgias e complicações, a jovem fez o primeiro transplante em 2005, também no Incor, aos 5 anos. Em 2016, seu coração estava com apenas 3% de funcionamento, e ela precisou de outro transplante.
Em 2019, Vitória passou a sofrer rejeição do órgão, momento em que foi diagnosticada com a doença do enxerto. Ela precisou de um transplante de rim, que não aguentou o quadro da doença, em 2023. Foi necessário entrar na fila para um novo coração pela terceira vez, que chegou em 2024.
Vitória faleceu em fevereiro deste ano, depois de um ano e nove meses internada na UTI do Incor. Segundo o g1, ela sonhava em ser médica, como forma de retribuir os cuidados que recebeu quando criança.
O que diz a FMUSP
Em nota enviada ao g1, a faculdade se manifestou em nome do Incor. Confira a resposta completa:
"A FMUSP esclarece que as alunas envolvidas na ocorrência são graduandas de outras instituições, que estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). Atualmente, não possuem qualquer vínculo acadêmico com a FMUSP ou com o InCor.
Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis.
Internamente, a FMUSP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição.
A FMUSP repudia com veemência qualquer forma de desrespeito a pacientes e reafirma o compromisso inegociável com a ética, a dignidade humana e os valores que norteiam a boa prática médica.
A instituição reforça ainda a missão de formar profissionais comprometidos com a excelência e com o cuidado humano, valores que são inegociáveis em nossa Instituição."