Se práticas ambientais, sociais e de governança têm crescido em grandes empresas, a área, comumente chamada de ESG, também é realidade em muitas micro e pequenas empresas — mesmo que, nem sempre, os empreendedores identifiquem essas condutas por esse nome.
O campo, no entanto, é fértil para negócios menores, que permitem uma mudança de cultura mais rápida do que os maiores.
— Em governança, por exemplo, quando se vai trabalhar a questão da transparência ou até mesmo da anticorrupção, no pequeno o volume de fornecedores é menor, assim como o de atuações ou frentes para se fiscalizar. Na questão social é a mesma coisa: é mais fácil oferecer um ambiente respeitoso, seguro e plural em um negócio com menos funcionários — observa Kelly Valadares, analista de Bioeconomia Regenerativa ESG do Sebrae RS.
Kelly alerta ser importante que as empresas tenham uma visão focada em ESG, a fim de identificar de que forma essas práticas podem ser adequadas para aquele pequeno negócio, independentemente da cadeia de suprimentos da qual faça parte. Com isso, é possível avaliar maneiras de essas ações serem usadas também como uma diferenciação de mercado que culminem, até mesmo, na redução de custos ou no acesso a determinados investimentos.
— Quando falamos “vamos aplicar a matriz de materialidade para buscar investimentos”, normalmente fica muito distante do pequeno negócio. Mas quando a gente fala no pequeno negócio, que vai lá na cooperativa de crédito pegar financiamento para uma máquina, quando ele já traz um relatório de sustentabilidade, ele já começa a acessar o mercado de uma forma diferente — sugere a analista.
Rendimento aliado a responsabilidade social

Entre pequenas empresas que fazem parte de cadeias de valor que envolvem grandes companhias, os treinamentos nessa área, com frequência, são realizados em ambas. É o caso da Calçados Padilha, localizada em Taquara, no Vale do Paranhana. A fábrica emprega 47 funcionários, que atuam na costura de calçados de grandes marcas que demandam algumas práticas ESG.
Para além dessas obrigações, contudo, o empreendimento possui suas próprias iniciativas, em especial em questões sociais ligadas ao distrito de Padilha, em Taquara, onde está instalado.
Nunca fizemos nada para conseguir algum selo ou pontuação. Tudo foi acontecendo meio ao natural, não por exigência da empresa ou por alguma consultoria, mas por iniciativa nossa, mesmo. Temos essa ideia de conseguir prosperar, afinal, a empresa precisa ter rendimento, mas olhamos muito para o pessoal que é daqui também.
ARIEL FRANCO DE MELLO
Sócio proprietário da Calçados Padilha
Ariel Franco de Mello, sócio proprietário da Calçados Padilha, considera que há pouco incentivo público para a implementação dessas práticas.
Uma delas é o projeto Primeiro Emprego Lar Padilha. A empresa oferece empregos a pessoas de 16 a 18 anos abrigadas na instituição, que acolhe crianças e adolescentes em situação de risco e/ou vulnerabilidade social. O programa, existente desde 2022, já empregou 10 acolhidos.
— Lançamos esse projeto porque quando eles chegam à maioridade, muitas vezes não têm experiência profissional nenhuma. Com isso, eles saem com currículo e com o valor do salário, que é depositado todo mês na conta deles e, aos 18, eles têm acesso. Eles têm um contrato igual ao de todos os outros funcionários, mas com uma carga horária menor, para que sigam estudando — descreve Mello.
Em 2025, um dos 10 acolhidos que trabalhava nesses moldes completou 18 anos e foi empregado com carga horária integral. Em maio, o mesmo deve acontecer com outra acolhida, que já concluiu o Ensino Médio e está fazendo faculdade.
Além dessa, outras ações sociais envolvem a oferta de presentes no dia do aniversário dos colaboradores, doações para rifas e eventos de creches e escolas da localidade e a contribuição na distribuição de doces e brinquedos durante o evento de Natal da Associação de Moradores de Padilha.
Investimento ambiental
Na área ambiental, a empresa trabalha com logística reversa dos tecidos que sobram da costura, devolvendo os materiais para a fabricante de origem, e faz a reciclagem de plástico comum, garrafas pet e papel/papelão. Em torno de 570 toneladas desses resíduos são coletados anualmente.
A fábrica também instalou placas de energia solar que, em 2022, chegaram a gerar uma economia de 84% na conta de luz. Nos anos de 2023 e 2024, a redução foi inferior, de 64% e 60%, porque a companhia aumentou o consumo, mas não a geração da energia.
— Para a indústria vale a pena investir em energia solar, mesmo que o retorno aconteça a longo prazo, porque tem uma diminuição bastante grande no valor da conta. O problema é que está se tendo uma certa barreira para fazer novos projetos de geração de energia por indústrias, o que torna tudo mais complexo — lamenta o empresário.
Treinamentos
Na parte de governança, a Calçados Padilha realiza regularmente treinamentos ligados à costura, prevenção de incêndio, manuseio e precauções de uso de produtos químicos e prevenção de acidentes e assédio. Em algumas dessas práticas, contam com o apoio de consultoria do Sebrae-RS. Também são mantidos planilhas e softwares de controle financeiro, de faturamento, de produção mensal, de controle de patrimônio e de gestão de produção.
Práticas sustentáveis, retorno financeiro

Em Três Palmeiras, no norte do RS, a Agropecuária Piran produz grãos e pecuária com práticas sustentáveis que têm gerado bons retornos financeiros. Após a realização de um projeto junto ao Sebrae-RS e o trabalho da consultoria FAU Agricultura e Meio Ambiente, os irmãos Mateus e Caroline Piran passaram a produzir o seu próprio bioinsumo, o que tem permitido uma boa economia.
Antes, comprávamos o produto pronto de uma empresa aqui da região. Agora compramos a cepa, que é como se fosse a bactéria viva em uma forma mais concentrada. Com um litro desse produto, consigo multiplicar a bactéria, usá-la em uma área muito maior e em mais aplicações: em vez de uma ou duas, podemos fazer de três a quatro aplicações.
CAROLINE PIRAN
Proprietária da Agropecuária Piran
O uso de bioinsumos é parte de uma tentativa de reduzir a aplicação de produtos químicos na terra. Com o sistema de plantio direto utilizado na propriedade, o solo é semeado sem revolvimento, uma técnica conservacionista que ajuda a protegê-lo contra a erosão e a perda da umidade. Os bioinsumos ajudam a devolver a biota daquela terra e reduzir o uso de agrotóxicos.
— Quanto menos se mexer com o solo, melhor. Colocar um fungicida ou outro produto químico que a gente utilize é um mal necessário, porque, para conseguirmos produzir o alimento, precisamos desse químico, mas tudo gera custo para nós. Procuramos a microbiologia para reduzir esse uso, que, além de caro, não é benéfico para o sistema — revela Mateus.
Barateamento de processo
Dos cerca de 150 hectares da propriedade, em torno de 22% são área de preservação permanente e, por isso, não podem ter cultivo. A região é preservada pela família Piran há três gerações.
Na parte restante, onde há agricultura e pecuária, o manejo é o mais conservacionista possível. Após a colheita de alimentos como soja, milho, trigo e feijão, é feita uma cobertura com uma palha de plantas que deixa o solo menos exposto ao sol e à chuva, o que no ano passado, por exemplo, quando fortes intempéries castigaram o Rio Grande do Sul, ajudou a Agropecuária Piran a evitar prejuízos. Apesar de toda essa prática ter envolvido custos iniciais, hoje o resultado é um barateamento do processo.