O mundo se apresenta com desafios cada vez maiores na área ambiental. Especialistas alertam que a geração que mais sofrerá com o impacto das mudanças climáticas será sempre a próxima. Por isso, escolas e iniciativas têm apostado na educação ambiental como forma de sensibilizar e preparar na prática crianças e adolescentes para uma realidade que exigirá ainda mais conhecimento e conexão de todos com a natureza.
É com esse entendimento que a Escola de Educação Infantil Pais e Filhos, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, tem utilizado o seu grande pátio para que as crianças plantem e cultivem no jardim. Já foram semeadas, por exemplo, carambolas, limões, bergamotas e salsas. Na semana de visita da Zero Hora à instituição, era momento de colher manjericão e rúcula.
— O projeto do meio ambiente é um dos nossos carros-chefes. No ano passado, as crianças plantaram mudas frutíferas, e, agora, já está dando fruta. Quando tu consegues oferecer esse contato com a natureza desde a infância, todos os dias, tu crias outro ser humano — defende a diretora Magliane Locatelli.
Entre os benefícios que percebe para seus alunos, a gestora aponta o aprendizado sobre o cuidado, o tempo que cada processo leva, como semear, germinar, crescer e dar frutos, e o entendimento sobre a origem dos alimentos. A iniciativa foi uma das 10 finalistas, no ano passado, do concurso Marketing For a Better World, que premiou projetos relacionados a sustentabilidade.
Para Magliane, a Educação Infantil é a base da caminhada de qualquer indivíduo, e, por isso, tem papel fundamental no desenvolvimento da responsabilidade social, o que inclui o cuidado com o meio ambiente.
— Tudo o que tu puderes internalizar de princípios, valores e cuidado na criança até os sete anos é o que tu vais imprimir naquele DNA. Então, essa responsabilidade social é algo que nos preocupa muito. Fazemos parte de uma cidade enorme e a criança é o caminho para que esse cenário seja menos desolador lá na frente — avalia a diretora.
No Colégio João XXIII, no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, crianças do 3º e 4º ano promoveram, em novembro, o 1º Congresso sobre Mudanças Climáticas da escola. Os pequenos ficaram responsáveis por tudo: desde a escolha dos assuntos abordados até quem seria convidado para participar da programação. O evento também trouxe resultados de pesquisas dos alunos sobre os impactos das mudanças climáticas sob diferentes prismas.
— Quando a gente assume uma postura progressista, de uma escola que busca justiça social e um mundo melhor para as novas gerações e as gerações atuais, é preciso haver esse comprometimento com a educação ambiental, aliada a outras coisas, como o antirracismo, o anticapacitismo. Precisamos ter clareza do papel da escola e assumir isso dentro do currículo — defende Amanda Eccel, coordenadora pedagógica do 1º ao 4º ano do João XXIII.
Fugindo de uma educação “adultocêntrica”, o evento procurou valorizar os conhecimentos que as crianças já tinham e, na fusão deles com outros novos, fossem sendo construídas novas perspectivas. Para Amanda, a experiência foi “riquíssima”: mobilizou pessoas de dentro e de fora da escola e gerou um conhecimento “significativo” para os estudantes. O resultado foi um guia com 16 ideias para mudar o mundo.
Além da escola
Se a educação ambiental nas escolas é importante, ela não se limita a essas instituições. A empresa de energias renováveis Be8, de Passo Fundo, mantém desde 2015 o projeto Sementinhas do Futuro, com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental de cerca de 15 escolas particulares e públicas por ano do município e 12 de Marialva, no Paraná. Até 2024, mais de 10 mil pessoas já tinham participado da iniciativa.
Entre as atividades desenvolvidas, estão visitas à unidade para aprender como é feito o biodiesel, com palestras voltadas para a conscientização ambiental, tratando de assuntos como coleta seletiva e energias renováveis, por exemplo. A peça Sumiço da Consciência, montada especificamente para o programa, também trabalha assuntos ligados ao meio ambiente.
— A gente percebe que as crianças são muito curiosas. Elas trazem perguntas diversas, são interessadas no tema, e vemos que, cada vez mais, as crianças estão interessadas no tema da sustentabilidade — conta Letícia Wendling, gerente corporativa de comunicação da Be8.
Os alunos também ganham camisetas feitas de garrafa pet, a fim de entender que há produtos que podem ser reciclados e utilizados de outras formas, e um copo reutilizável, que eles usam durante um lanche e, depois, levam para casa. O projeto foi um dos três finalistas, no ano passado, no prêmio Top de Marketing da ADVB/RS.
Rede pública
Localizada no Morro Santana, em Porto Alegre, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Marieta da Cunha Silva vem transformando o ambiente escolar por meio de atividades ambientais práticas. Tudo é acompanhado pelo professor de geografia Marcelo Santos, que teve seu primeiro contato com o tema ainda na faculdade, quando fazia estágio em uma escola municipal de Porto Alegre e participava do Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), programa da prefeitura. Nesse processo, participou de uma formação com o professor Rualdo Menegat, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da qual nunca mais esqueceu.
— Entendi o quanto somos atraídos pela natureza e o quanto esse verde, essa textura, essa sombra, essas profundidades interferem no nosso desenvolvimento cognitivo ao longo da nossa evolução — recorda o docente, que, aí, levou para a sua prática pedagógica essa compreensão.
A primeira iniciativa na Marieta da Cunha foi em 2023, quando um Berçário de Mudas foi construído pelos alunos, que levaram plantinhas de casa para dar de presente para a escola, no dia do aniversário da instituição.
Em 2024, Santos queria criar canteiros, mas a terra do pátio não era fértil. Por isso, uniu o útil ao agradável: fez uma composteira, que ajudou a fertilizar a terra. Os alimentos produzidos nos canteiros são aproveitados no refeitório. Para 2025, o professor pretende expandir: quer uma litoteca com diferentes amostras de rochas.
Em Novo Hamburgo, o Instituto Estadual Seno Ludwig tem biodigestor, cultivo por meio de hidroponia e até uma fazendinha com ovelhas, porcos e galinhas, com os quais os 1,1 mil estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio convivem. A orientação é que os professores insiram a educação ambiental em todas as disciplinas.
— Não são só as aulas de biologia ou ciência que trabalham o assunto: é uma conscientização que todos os professores já têm, a partir da nossa formação continuada. Vamos, inclusive, buscar que a nossa escola seja a primeira pública a ter uma certificação de uso de métodos ESG. Acredito muito que essa geração vai salvar as próximas gerações — revela José Silon Ferreira, diretor da instituição.
Três plantas são cultivadas com o uso de hidroponia, uma técnica sem necessidade de terra. Também foi desenvolvido um biodigestor, que capta os nutrientes desse material orgânico e os transforma em fertilizante. Para 2025, a ideia do diretor é também gerar gás com esse mesmo equipamento. Os projetos são desenvolvidos com parcerias dentro do programa Escola Melhor: Sociedade Melhor, do governo do Estado. Como resultado, Silon percebe que os alunos têm mantido a escola mais limpa e escolhido de forma mais qualificada os seus alimentos.
Reconexão com a natureza
Professor do Instituto de Biociências da UFRGS e presidente do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack sempre sugere, para escolas das quais é parceiro, que, se possível, trabalhem com espaços como hortas, composteiras e miniviveiros, para permitir uma reconexão dos pequenos com a natureza.
— Atividades lúdicas são muito importantes. A sala de aula, não vou dizer que é um prejuízo, mas não incentiva o conhecimento da realidade. Hoje, poderíamos usar termômetros para medir a temperatura na sombra de uma árvore e em um local sem vegetação, no asfalto, no cimento, ver as formas das plantas, das folhas, das sementes, como elas se dispersam, tudo isso em volta da escola — sugere o professor da UFRGS.
Taís Frizzo, professora do Departamento de Ciências Exatas e da Natureza do Colégio de Aplicação da UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ciências da UFRGS, faz pesquisas com escolas e formação de docentes sobre educação ambiental e percebe que é preciso voltar os olhos para as questões locais.
— Ao longo de muitos anos, a educação ambiental se voltou para temas muito globais, como a separação dos resíduos sólidos. Hoje, incentivamos a falar com as crianças sobre consumo, não só sobre o problema final, que é o lixo. Para além de reciclar, tem os outros Rs: repensar, reduzir, recusar e reutilizar — recomenda a educadora.
Em Porto Alegre, Taís nota um crescimento nas hortas escolares, o que comemora: lá, diz que os pequenos podem plantar, pensar nos alimentos, na nutrição e até envolver as famílias no cultivo, o que valoriza as comunidades locais. Depois da enchente, tópicos ligados a mudanças climáticas, como as bacias hidrográficas do RS e as hidrelétricas existentes ganharam força.
Na Capital, um material que pode ajudar professores e mesmo os pais a tratarem de educação ambiental com crianças e adolescentes é o Atlas Ambiental de Porto Alegre, publicado em 1998 e hoje digitalizado. Para escolas que tiverem interesse em desenvolver uma horta, o Colégio de Aplicação também possui um material pedagógico específico neste link que pode servir de guia.
* Colaborou Bruna Oliveira