Quando grandes dilemas globais passam a pautar a ciência e a tecnologia, o resultado é uma série de inovações capazes de revolucionar o mundo em que vivemos. Em tempos de preocupação com a crise climática e tempo curto para mitigar os seus efeitos, é do suporte das boas ideias que surgem alternativas para enfrentar as crises.
Nos últimos anos, as questões do clima têm fomentado o desenvolvimento de diversas iniciativas nesta frente, da educação ambiental como base para o novo momento, à criação de produtos sustentáveis para o mercado. Tudo com muita pesquisa de fundo.
De Passo Fundo, no norte gaúcho, nasce uma das tecnologias mais vanguardistas para enfrentar a urgência da transição energética. É o “diesel verde brasileiro”, capaz de substituir totalmente o diesel fóssil e o primeiro do país com essas características.
Em desenvolvimento desde 2019 pela gigante Be8, o produto batizado de BeVant está pronto para revolucionar o mercado de biocombustíveis, garante o gerente corporativo de Engenharia e P&D (pesquisa e desenvolvimento) da companhia, André Roll. E justifica: a tecnologia patenteada permite que o produto seja utilizado imediatamente nos motores, sem necessidade de mistura, substituindo totalmente o diesel fóssil.
O pioneirismo do BeVant confere um investimento de anos em pesquisa e traça um novo marco para o já consolidado espaço do Brasil nesta frente, destaca o vice-presidente de operações da Be8, Leandro Zat.
A cor verde esmeralda do biocombustível — com previsão de entrada ainda em novembro no mercado —, denuncia o seu maior potencial: “verde”, como o mundo exige hoje, e inovador, para fazer diferença num dos segmentos mais promissores da indústria.
Produzido a partir de um processo de destilação do biodiesel, o BeVant emite 50% a menos de CO₂ e reduz em até 90% as emissões de fumaça preta. Com potencial para atender as malhas rodoviária, marítima e ferroviária, tem mostrado excelentes resultados de performance. O produto é visto como uma solução imediata de sustentabilidade para empresas que querem despoluir as suas frotas.
— O custo de fazermos a transição energética pode ser equilibrado ou pode ser abrupto e de forma bastante onerosa. Essas soluções que temos agora, como o BeVant, podendo substituir o diesel 100% e comparado em termos de preço, são muito viáveis — diz Zat.
Estudando de perto a transição energética, a diversidade de novos materiais e a eficiência, a indústria tem investido em núcleos de pesquisa cada vez mais robustos para o desenvolvimento de tecnologia nas fábricas. Com expertise 100% brasileira, a Randoncorp prepara para lançar no mercado uma inovação que muda paradigmas na condução autônoma de veículos a partir de algoritmos e inteligência artificial.
É a tecnologia AT4T, que permite a condução autônoma em ambientes controlados com altíssima precisão, sobretudo nas manobras de ré, grande gargalo no segmento automatizado, explica o Chief Technology Innovation Officer (CTIO) da Randoncorp, César Augusto Ferreira. O desenvolvimento da plataforma foi todo baseado nos conceitos do futuro do transporte, diz o diretor:
— É um caminho sem volta. Temos que ter conceitos de propulsão que emitam menos CO₂, não tem muita alternativa — analisa Ferreira, mencionando que o momento marca a maior transformação da indústria automotiva desde a era Ford.
Foram cerca de cinco anos de desenvolvimento até a atual fase de testes da plataforma. Seu uso pode ser implementado em diversas frentes, entre elas o agronegócio, cada vez mais ávido por tecnologia embarcada nos equipamentos.
Com funcionamento 100% elétrico, a automação permite versatilidade em termos de movimentação e não necessita de intervenção humana constante, o que amplia a capacidade das operações, trazendo ganho de produtividade.
Temos que ter conceitos de propulsão que emitam menos CO₂, não tem muita alternativa.
CÉSAR AUGUSTO FERREIRA
Chief Technology Innovation Officer (CTIO) da Randoncorp
Educação como norte
Antes mesmo de as soluções chegarem ao mercado, parte fundamental do processo começa pela educação ambiental. São inúmeras as startups e empresas de tecnologia que passaram a se debruçar sobre o tema nos últimos anos, facilitando o caminho tanto para o entendimento das questões climáticas quanto para a implementação das práticas associadas ao ESG em empresas e instituições.
No elo da cadeia entre o despertar da consciência ambiental e a prática, a startup Green Thinking, instalada no Tecnopuc, em Porto Alegre, desenvolve projetos de educação que colocam a inovação e a sustentabilidade na mesma página.
A startup aplica diversas ferramentas para levar a educação ambiental, entre elas projetos relacionados à compostagem e ao tratamento de resíduos sólidos. Entre os clientes, estão empresas e corporações que buscam consultoria para realizar as iniciativas.
Lucas Fontes, educador ambiental e sócio da Green Thinking, lembra que há um costume de se olhar para o ecossistema da inovação somente pelo viés das tecnologias físicas, como os softwares. No entanto, há tecnologias sociais que são fundamentais para a verdadeira aplicação da sustentabilidade. Isso evita que se pratique a chamada “maquiagem verde”, quando as práticas sustentáveis ficam apenas nos discursos:
— Tudo começa por um despertar social. A consciência das pessoas é o primeiro passo e a mudança só ocorre quando há interesse da população. O primeiro passo é mexer na cultura e na consciência das pessoas. Isso é também o que justifica o nosso trabalho — diz Fontes.
Nas escolas, uma parceria está fazendo com que a capacitação de professores seja o pontapé para levar a educação ambiental adiante. É a Plataforma de Cenários Climáticos, desenvolvida pela Kaz Tech e pela GAUSS Geotecnologia. Inicialmente fornecida para educadores do Ensino Médio do Sesi no RS, a ferramenta será disponibilizada num segundo momento para todas as escolas do Estado.
A plataforma permite analisar cenários de clima nos municípios pesquisados e projetar como se comportarão os parâmetros no futuro em meio às mudanças climáticas. Marcos Kazmierczak, doutor em Desastres Naturais, diretor fundador da Kaz Tech e uma das lideranças no projeto, cita modelos que indicam que vai chover menos em 80% dos munícipios brasileiros nas próximas décadas. Em outros 15%, vai chover mais, sendo que metade desses estão no RS.
Para o pesquisador, é fundamental que os dados compilados gerem informação. A partir da educação climática, o conhecimento tem potencial para virar ação concreta e permite que as populações estejam mais preparadas para enfrentar os efeitos.
— O potencial da tecnologia para ajudar é gigantesco. Hoje conseguimos ter análises situacionais muito rapidamente. Aliadas às necessidades, o dado vira informação, que vira conhecimento, mas que precisa virar ação — diz Kazmierczak.
O papel das startups
Destaque internacional pelo ecossistema de inovação que abriga, o Rio Grande do Sul viu as tragédias climáticas de 2023 e 2024 acelerarem o desenvolvimento de iniciativas voltadas à pauta ambiental. Os parques tecnológicos aqui instalados lideraram uma série de ações no auge das enchentes, tornando-se sede não só para abrigar planos de urgência, mas também para apoiar iniciativas de enfrentamento em várias frentes.
Rodrigo Cavalheiro, presidente da Associação Gaúcha de Startups, menciona o papel da tecnologia nos momentos de crise. Além de decisões mais assertivas, as soluções criam um ambiente colaborativo entre empresas, governos e sociedade.
— O uso de tecnologias como Inteligência Artificial, big data, internet das coisas (IoT) e machine learning faz com que startups consigam desenvolver ferramentas que monitoram e preveem os eventos climáticos extremos com mais precisão. Isso permite ações mais preventivas que minimizam os danos e salvam vidas. Vimos isso refletido recentemente nas enchentes, quando várias aplicações contribuíram para a prevenção ou a diminuição do impacto no Estado — diz.
Isso (o uso de tecnologia) permite ações mais preventivas que minimizam os danos e salvam vidas.
RODRIGO CAVALHEIRO
Presidente da Associação Gaúcha de Startups
Representante da PUCRS no Pacto Alegre e superintendente de Inovação e Desenvolvimento da universidade, o professor Jorge Audy lembra quando o centro tecnológico da instituição, o Tecnopuc, virou QG de tomada de decisões, reunindo secretarias públicas, voluntários e empresas para pensar em conjunto. Foi neste contexto que o Pacto Alegre lançou um conjunto de ações, o Desafio Extraordinário Porto Alegre Resiliente, com o objetivo de enfrentar o impacto dos eventos climáticos.
O grupo trabalhou para traçar ações de curto, médio e longo prazo, prevendo projetos de limpeza solidária, articulação de abrigos e habitação, apoio à saúde mental (em operação até hoje), hospital veterinário, comunicação resiliente e estratégia de resposta climática. As iniciativas tiveram apoio de diversos atores envolvidos.
— Cada vez fica mais claro que a inovação em si, se não estiver a serviço da sociedade e das resoluções dos problemas, ela sequer faz sentido. É necessário ter essa intencionalidade das estratégias, com foco na melhoria da qualidade de vida — diz Audy.
Startups que desenvolvem soluções que enfrentam as mudanças climáticas e as suas consequências têm se destacado no Rio Grande do Sul. Desde 2017, a Hopeful vem desenvolvendo um software de gestão de voluntariado, justamente um dos gargalos no evento nefasto de maio de 2024.
A grande proposta de valor é as pessoas saberem como agir nestes casos. Ou seja, ter informação sobre o que fazer no desastre, diz Abner de Freitas, fundador da Hopeful. O pesquisador resume que não bastam dados se não há plano de contingência traçados previamente.
— A inovação é curiosa porque a ideia que temos dela é de que seja associada ao desenvolvimento de dispositivos ou programas. Mas não adianta ter o satélite da Nasa produzindo informação de inteligência artificial se a população não souber como agir. Curiosamente, a grande inovação é fazer o básico, que é a comunicação comunitária. Treinando, treinando — diz o fundador.
A Hopeful foi a única startup brasileira convidada pela Comissão Europeia para participar do Fórum Europeu de Proteção Civil este ano e tem auxiliado governos e setor privado na elaboração de planos de contingência. Em Santa Maria, o protocolo desenvolvido tem capacidade para abrigar 5% da população, o que representaria quase 15 mil pessoas, por exemplo.
Também coordenou o primeiro plano da Capital, ajudando na operação de evacuação de locais, oferta de serviços de saúde, gestão de abrigos e de recursos.
— Na ocorrência de um desastre, se executa plano, não se cria plano. E muitos municípios entraram no desespero pelo despreparo — alerta Freitas.