A maior catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul deixou rastro de estragos na maior parte dos municípios gaúchos. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) divulgou nesta semana os resultados das avaliações técnicas em cidades afetadas pelas chuvas intensas, que, além inundações históricas, causaram processos geológicos como deslizamentos de terra e rachaduras no solo.
O estudo traz os levantamentos realizados em seis municípios: Arvorezinha, Encantado, Lindolfo Collor, Marques de Souza, Putinga e São Francisco de Paula. As análises foram realizadas entre os dias 27 e 31 de maio, em áreas que foram indicadas pelas Defesas Civis municipais. Nos relatórios, são apontados os danos causados, além dos riscos que ainda podem afetar esses locais.
Chefe do Departamento de Gestão Territorial, Diogo Rodrigues afirma que essa ação é uma forma de dar suporte aos municípios, que, muitas vezes, não dispõem das equipes técnicas necessárias para esse tipo de análise.
— Os nossos estudos fornecem importantes informações aos gestores públicos para tomarem decisões que garantam a proteção das comunidades afetadas — afirma.
Além de apontar os problemas identificados, os relatórios trazem sugestões a serem adotadas a curto prazo e medidas que podem ter resultado a longo prazo, para evitar ou atenuar novos danos causados por eventos climáticos.
Entre as recomendações, está, por exemplo, criar mecanismos de alerta para a população, mapear as áreas de risco e investir em ações de educação ambiental e de percepção de risco para os moradores destas áreas, além da formação de líderes comunitários que possam ajudar e orientar a população local em conjunto com a Defesa Civil.
Os estudos foram realizados pelos pesquisadores em geociências do SGB Lenilson José Souza de Queiroz, Renato Ribeiro Mendonça, Angela Bellettini, Marlon Hoelzel, Débora Lamberty Giovani Parisi e Raquel Barros Binotto.
Confira a situação em cada município:
Arvorezinha (Vale do Taquari)
O primeiro ponto vistoriado localiza-se no Camping dos Vales, no Rio Lajeado Ferreira, onde ocorreram diversos deslizamentos. Observou-se grande quantidade de blocos, rochedos e sedimentos transportados e depositados no leito, o que provocou a alteração do curso do rio.
Os sedimentos preencheram áreas do curso d’água que antes possuíam metros de profundidade, causando assoreamento. Ainda houve remoção de parte da mata ciliar, o que pode acelerar os processos erosivos.
Na Linha São José, uma das mais afetadas, foram visitados quatro locais. Num deles, a enxurrada chegou a arrastar o maquinário agrícola e destruiu a área de plantio, galpão, além de parte de uma casa. Na região, também foi observado deslizamento. Ao atingir o rio, o material levado pelo deslizamento foi depositado ao longo do curso d’água, como ocorreu no Camping dos Vales.
Um deslizamento também obstruiu uma estrada na Linha São José. A passagem foi aberta, mas ainda há risco de queda de rochedos, que se encontram soltos em meio aos sedimentos. Deslizamentos foram constatados em outros dois pontos da mesma localidade. Na Linha Terceira, a enxurrada destruiu área de plantio e uma casa, permanecendo apenas o assoalho. A remoção de vegetação e o grande volume de sedimentos depositados poderão causar alteração na dinâmica do Rio Borguetinho.
Encantado (Vale do Taquari)
A Defesa Civil municipal identificou 13 pontos críticos que foram visitados pela equipe do Serviço Geológico do Brasil. Estes pontos foram atingidos por deslizamentos, rastejos, corridas de lama e detritos, além de enxurradas e inundações. Num dos pontos, na Rua Monsenhor Abílio Fontana, no bairro Lajeadinho, as chuvas registradas no período provocaram um deslizamento que atingiu duas residências e um galpão.
Na Linha Azevedo, observou-se uma encosta com ocupação esparsa, com casas e instalações agrícolas, com marcas de deslizamento ocorrido em novembro do ano passado e novamente em maio. O deslizamento atingiu parcialmente algumas casas, e causou a obstrução da via. Na Barra do Jacaré, na Rua Taquari, houve registro de deslizamento numa encosta íngreme, atingindo três residências. Esta área foi identificada como de risco muito alto. Sugere-se a realização de estudo complementar para a realocação das moradias.
As enxurradas resultaram em centenas de marcas de deslizamentos, com corrida de lama e detritos, que causaram danos em edificações, além de bloqueios em diversas vias de acesso. Também houve registro de inundações em todos os cursos d´água que atravessam o município, em especial o Rio Taquari, registrando cotas de inundação muito acima das observadas anteriormente.
O estudo aponta que esses deslizamentos são de difícil previsão. Já os processos de inundação podem ser previstos, quando há sistemas de alerta, com estações de coleta de dados e modelo digital de terreno.
Como recomendação futura, os pesquisadores sugerem o reforço do sistema de monitoramento e alerta hidrológico, a revisão da setorização de risco do município, incluindo a zona rural, a elaboração de planos de contingência, além de campanhas de percepção de risco junto à população.
Lindolfo Collor (Vale do Sinos)
Foram vistoriadas duas áreas: uma área atingida por inundação e uma com registro de deslizamento e de queda de blocos. A inundação do Arroio Feitoria atingiu uma área aproximada de cinco quilômetros quadrados, o que representa 15% da área total do município. Neste caso, algumas recomendações para as áreas das margens do Arroio Feitoria nas zonas urbanas e rural foram apontadas no estudo.
Entre as medidas, está a remoção temporária dos moradores que se encontram nas áreas de risco durante o período de chuvas, instalação de sistema de alerta para as áreas de risco, através de meios de veiculação pública (mídia e sirenes), elaboração de um plano de contingência que envolva a zona rural e urbana, para aumentar a capacidade de resposta e prevenção a desastres no município e limpeza periódica de rios e arroios, preservação das áreas verdes e manutenção das matas ciliares.
Outra área foi vistoriada em razão de deslizamento e potencial de queda de blocos de rocha, no bairro Feldmann. Nesta área, 12 residências estão sob risco remanescente. Segundo o estudo, devido às características geológicas e geomorfológicas do município, as encostas apresentam alta e média suscetibilidade a movimentos de massa e outras áreas, não descritas neste relatório, podem apresentar risco a deslizamentos.
Entre as sugestões para este caso, está a avaliação da possibilidade de remover e de realocar temporariamente em locais seguros os moradores que se encontram nas áreas de risco durante período de chuvas, o monitoramento das condições de estabilidade da encosta, especialmente dos blocos rochosos e trincas no solo, e evacuação preventiva, em caso de indícios de novas rupturas.
Marques de Souza (Vale do Taquari)
A Defesa Civil municipal identificou seis pontos críticos, que foram visitados pela equipe do Serviço Geológico do Brasil. Estes locais foram atingidos por deslizamentos, corridas de lama e detritos, inundações e enxurradas. O primeiro ponto foi a Linha Tamanduá, onde as chuvas provocaram um deslizamento, que atingiu casas, provocando duas mortes e o desaparecimento de uma pessoa, no final de abril. Em Linha Atalho, outro deslizamento atingiu quatro casas. No bairro Cidade D´água, a inundação fez a água atingir o telhado das casas.
No Centro, na Rua Alzira Lammel a forte correnteza provocou efeitos erosivos, os quais causaram danos a diversas casas. Ainda na área central, na Rua 10 de Novembro a forte correnteza atingiu diversas residências, danificou vias e destruiu totalmente uma ponte de ligação com o município de Travesseiro. O evento climático resultou em dezenas de cicatrizes de deslizamentos, com registro de algumas corridas de lama e detritos que causaram bloqueios na BR-386 e outras vias de acesso ao município de Marques de Souza.
O estudo conclui que os deslizamentos ocorridos são de difícil previsão e se deflagraram principalmente pelo grande volume de chuvas registrado na região, que superaram os 700mm em cinco dias. Já os processos de inundação podem ser previstos, quando na bacia hidrográfica há sistema de monitoramento e alerta de cheias implantado. O estudo alerta ainda que se novas chuvas de grande volume ocorrerem nos próximos meses, é esperado que outros movimentos (como deslizamentos) ocorram nas encostas.
Putinga (Vale do Taquari)
No município, o pluviômetro mais próximo do centro urbano registrou 930,2 mm de chuva em maio, segundo o relatório do SGB. Nos dias 1º e 2 de maio, foram registrados 223,2 mm e 317,4 mm. Essa quantidade de chuva provocou enxurradas e deslizamentos em todo o município, causando danos à população e resultando na morte de uma pessoa em um deslizamento.
Na área central, o transbordamento do Arroio Putinga foi o que causou mais danos. Alguns dos locais vistoriados foram a Rua Getulio Vargas, no Centro, onde foram verificados danos em diversas casas e processos erosivos. Sistemas de drenagem foram danificados pelo grande volume de água. Na Rua Augusto Toniollo, um conjunto de casas próximas a uma vertente apresenta danos causados por enxurradas e pela formação de ravinas (acidente geográfico produto de erosão pela ação de córregos e enxurradas). Na Rua Conselheiro Demétrio Berté, foi observada uma série de deslizamentos próximos às edificações.
Em outras áreas, como a comunidade Santo Isidoro, também foram identificados deslizamentos, que comprometeram inclusive as plantações agrícolas e causando riscos em residências. Na Linha Carlos Barbosa, encontram-se construções no sopé de um vale encaixado. Com as intensas chuvas, foram desencadeados processos de deslizamentos nas encostas , em direção às edificações, resultando em danos a residências e vias.
No Distrito de Charqueado, também foi constatado deslizamento numa encosta próximo de residências. O estudo alerta que há uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) nas proximidades. No Distrito de Três Barras, foi observada uma sequência de deslizamentos, assim como na Comunidade São Pedro. Entre as recomendações, está o monitoramento diário das encostas que apresentam cicatrizes de deslizamentos.
São Francisco de Paula (Serra)
Uma das localidades vistoriadas é a comunidade Barragem do Salto. Entre os dias 12 e 13 de maio, os moradores relataram estalos e observaram o surgimento de trincas e rachaduras nos terrenos das casas. Como medida preventiva, a Defesa Civil retirou a população do local.
Na vistoria, foram observadas trincas, que indicam que o solo está sofrendo deformações significativas. Isso pode comprometer a estabilidade das construções, exigindo intervenções de engenharia para evitar danos maiores. A extensão e a abertura dessas rachaduras devem ser monitoradas regularmente para avaliar a progressão do problema.
A equipe também vistoriou a escola da comunidade, onde, apesar da situação identificada na localidade, constatou que o prédio não apresenta problemas geotécnicos evidentes. O estudo aponta que as atividades escolares podem continuar normalmente. No entanto, recomenda evitar o fluxo de veículos de grande porte, como caminhões e caminhonetes, até que ocorra um período de estiagem, e alerta para a importância de manter o monitoramento da área.
O estudo identificou ainda que é necessário realizar um mapeamento detalhado das áreas de risco do município, pois foram identificados pontos onde pode haver deslizamentos ou danos causados pela queda de blocos rochosos.
Recomendações gerais
Sugestões a curto prazo:
- Monitoramento das trincas e monitoramento diário das encostas que apresentam cicatrizes de deslizamentos e trincas
- Aguardar período de estiagem para realizar retorno da população nas áreas críticas
- Avaliação das condições dos sistemas de drenagem e das condições estruturais das casas e prédios próximos aos deslizamentos e trincas, por empresa ou engenheiro habilitado
Sugestões para reduzir risco das áreas vistoriadas:
- Monitoramento constante. Há risco, principalmente em períodos de chuvas de grandes volumes
- Criação de sistemas de alerta à população residente no local, frente a períodos de grandes chuvas, e promoção de simulados de evacuação;
- Avaliação, por empresa especializada em geotecnia, de viabilidade técnica e econômica da execução de obras de contenção nos locais onde ocorreram deslizamentos próximos às residências.
- Avaliação, por empresa ou profissional habilitado, de viabilidade técnica e econômica da execução de obras de drenagem
- Criação de políticas públicas para redução das ocupações das áreas descritas a fim de evitar a formação de novas áreas de risco
- Ações de educação ambiental e de percepção de risco para os moradores destas áreas e formação de líderes comunitários que possam ajudar e orientar a população local em conjunto com a defesa civil municipal;
- Realizar o mapeamento das áreas de risco. Uma nova avaliação se torna essencial para detectar possíveis novas áreas de risco, similares às examinadas, e reavaliar aquelas já identificadas, especialmente em relação ao nível de perigo que representam.