Com a experiência de quem testemunhou sucessivas mudanças tecnológicas na indústria da comunicação, o empresário Jayme Sirotsky, 89 anos, presidente emérito do Grupo RBS, se diz um otimista em relação à inteligência artificial. Nesta entrevista, ele reflete sobre o futuro do jornalismo, as redes sociais, a democracia e a liberdade de imprensa e expressão. Além disso, dá sua visão a respeito do desafio da reconstrução do RS após a enchente.
Qual o papel do jornalismo profissional em meio a tantos canais, plataformas e formatos de distribuição da informação existentes hoje?
A imprensa foi encontrando os seus cânones e o seu comportamento com o passar do tempo, preponderantemente com a autorregulamentação. Em muitas nações, há regulações, regras que definem certos pontos da liberdade de imprensa e de expressão. Com o novo mundo digital, houve mudança radical no processo de transferência da informação. Hoje, estamos habituados à expressão “fake news”, a notícia falsa, que é talvez o pior dos elementos desse maravilhoso novo mundo digital. A disseminação dessas informações falsas nunca foi tão fácil. E eu não quero nem começar a projetar o que vai acontecer com as novas ferramentas da inteligência artificial generativa, que permite realmente criações incríveis, para ver a confusão a que fomos jogados. Como o jornalismo participa desse novo ambiente? Exatamente praticando e aplicando os valores acumulados ao longo de todo esse tempo de exercício. Os jornalistas são profissionais formados e sabem as regras dentro das quais devem trabalhar. O que temos como desafio é fazer com que os usuários do novo mundo de informações entendam a responsabilidade da imprensa e busquem informar-se sobre a veracidade do que estão recebendo.
Educação digital é o caminho para resolver essa questão?
Educação é o caminho. Educação digital é uma das razões pelas quais estamos falando aqui agora. Sem dúvida, mas, sobretudo, a educação do usuário da informação de que ele deve buscar dirimir as suas dúvidas com as boas fontes ou com fontes nas quais ele confia e, de modo geral, a sociedade confia. A propósito, bem nesse momento, a Associação Riograndense de Imprensa lança uma campanha convidando o cidadão a duvidar: duvide da informação, vá conferir a informação, que é uma coisa que todos nós, jornalistas, fazemos impositivamente.
O senhor falou de fake news. Teríamos aqui a possibilidade de falar de discursos de ódio, nazismo, violência de todos os níveis. Por muito tempo, o senhor defendeu a autorregulamentação dos meios de comunicação. Por que, no caso das redes sociais, postula a necessidade de regulamentação?
Entramos em um dos pontos mais delicados quando a gente trata da liberdade de imprensa, mais do que a liberdade de expressão, porque a liberdade de expressão é muito mais ampla. Mas a liberdade de imprensa é absoluta? Não, não há verdades absolutas, não há liberdades absolutas. Nem a liberdade de imprensa nem as liberdades individuais. Durante muito tempo, as sociedades defendiam a liberdade de imprensa de maneira muito intensa e propondo, como fizemos aqui na RBS, a autorregulamentação. Os nossos próprios códigos de comportamento, procedimentos éticos. Isso valeu até o surgimento desse novo mundo digital. Uma sociedade cria seus regulamentos por meio dos instrumentos que legalizam a Constituição daquela nação. Mas a resposta a estas tecnologias está sendo demasiadamente lenta. Então, entendo que é indispensável a existência de regulação. A autorregulação não é suficiente.
Há readequação de toda a indústria a essa nova realidade. Como a liberdade de imprensa participa desse cenário?
É um desafio. A RBS e outros grupos de comunicação estão buscando manter a qualidade da informação com os recursos que são oferecidos pelo mercado e algumas novas tentativas de busca de receitas que permitam esse tipo de atividade com a qualidade que é desejável para a sociedade. Através dessas boas fontes é que vamos conseguir preservar os conceitos maiores de uma sociedade que se desenvolve buscando melhoria. No momento em que você tiver uma sociedade com acesso a uma educação adequada, ela poderá discernir corretamente sobre o que está vendo, o que está recebendo, o que está repetindo.
Muita gente olha para a inteligência artificial com certo temor. Qual a sua visão?
Sou otimista, porque esses avanços, se a sociedade colocá-los dentro de parâmetros que interessem à maioria, que respeitem as liberdades individuais, são importantíssimos. A possibilidade de uso da IA para o bem é tão grande que a gente tem de acreditar nessa alternativa e buscar os caminhos para que seja utilizada com coerência. Isto vai acelerar a ciência médica, as ações educacionais, o quanto isso poderá significar em melhoria de qualidade de vida.
Como o senhor vislumbra a manutenção do jornalismo de qualidade em Zero Hora?
O esforço que temos feito aqui na RBS é reconhecido, não apenas no Estado, mas nacionalmente. Preservar um jornal de qualidade custa muito caro. A inteligência artificial poderá ser um elemento muito útil para auxiliar a manter a qualidade, reservando aos jornalistas as ações mais nobres do jornalismo: a verificação, a qualidade, a melhoria da informação e deixando para a inteligência artificial ou aos instrumentos que estão por aí à disposição as tarefas que são repetitivas, rotineiras.
A troca de ideias, de informações, de forma civilizada e democrática, permitirá o consenso que nos levará à recuperação do Estado com maior rapidez.
Que avaliação o senhor faz do trabalho da imprensa diante da tragédia da enchente de maio?
Todos os veículos da mídia tradicional do nosso Estado foram muito presentes e ativos. Os nossos companheiros da RBS, e foram centenas deles, fizeram trabalho magnífico. E com algumas exigências até físicas, pessoais, porque companheiros passavam dias inteiros reportando, informando, auxiliando. Expandimos as informações, por meio das nossas reportagens, para veículos nacionais e internacionais. Com isso, ampliamos o foco para o que estava acontecendo aqui. Muitos meios de comunicação mandaram equipes, em especial, a Rede Globo e a GloboNews. No caso da RBS, essa ação se amplifica pela capilaridade: tínhamos profissionais em todos os municípios que sofreram a devastação. Com isso, pudemos, inclusive, auxiliar os organismos que estavam empenhados em atenuar os efeitos da enchente.
Como o senhor entende o papel dos veículos de comunicação na retomada das atividades econômicas e na reconstrução do Estado?
Afortunadamente, temos sido muito ativos e partícipes no processo social do nosso Estado. Sobre a inserção dos meios de comunicação, em especial da RBS, nesse processo de recuperação, que será longo, penoso e custoso, tomo uma expressão que usamos há alguns anos, quando nos referíamos ao nosso papel. Vejo a RBS como a arena dos debates que vão permitir que sejam projetadas ainda mais ideias: a arena, a praça, a “ágora”, que precisamos ser em conceito de união de todos pela recuperação do Estado. Não pode haver politização, não deve haver radicalização de ideias. Devemos é olhar para frente e construir em conjunto. Evidentemente, vamos externar as nossas posições e a dos nossos cronistas, sempre com o desejo de separar a informação da opinião para que a comunidade seja mais claramente atendida. A troca de ideias, de informações, de forma civilizada e democrática, permitirá o consenso que nos levará à recuperação do Estado com maior rapidez.