Por Rodrigo Trespach
Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Citadel, 2023)
Quando os primeiros imigrantes alemães começaram a chegar ao Rio de Janeiro em 1824, ficaram surpresos com as recepções. Além do próprio dom Pedro I se fazer presente em alguns desembarques, o imperador estava sempre acompanhado da esposa. “Os cabelos louros e olhos azuis denunciavam-lhe a origem germânica”, observou um jovem soldado que chegara a bordo do navio Wilhelmine. Além da semelhança física, dona Leopoldina falava o mesmo idioma dos artesãos, agricultores e soldados que abarrotavam o porto carioca. Era ela quem servia de intérprete para dom Pedro. Para os recém-chegados, ouvir a língua materna tão longe de casa era reconfortante.
Filha do imperador Francisco II (depois Francisco I da Áustria), dona Leopoldina nascera em 1797, no palácio Hofburg, em Viena, então capital dos Habsburgo, a importante família austríaca que há séculos governava o Sacro Império Romano-Germânico – uma reunião de vários países de língua alemã na Europa Central, que viria ser o embrião da Alemanha moderna. Tendo vivido em uma corte ilustrada, ela desfrutou de excelente educação: além das ciências naturais – tinha paixão por botânica e mineralogia –, adorava geometria, física e numismática. Ao longo da vida, aprendeu dez idiomas.
Dona Leopoldina chegou ao Brasil em 1817, após renunciar a seus direitos como arquiduquesa Habsburgo e se casar por procuração com o então príncipe dom Pedro, herdeiro do trono de Portugal. Empolgada com as núpcias e apaixonada pelo noivo e pelo exótico reino sul-americano que se oferecera como sua nova pátria, aprendeu rapidamente o português, informando-se sobre história, geografia e economia brasileiras. Na bagagem, trouxe uma pequena biblioteca e uma coleção de minerais – as pedras que trouxe e as que coletou ao longo dos anos de Brasil estavam no Museu Nacional, destruído pelo incêndio em 2018. Em sua correspondência para o pai, enviou para Viena diversos tipos de espécies animais, plantas, sementes e pedras raras da América do Sul. O imperador austríaco precisou criar um museu com as peças enviadas pela filha.
A jovem de origem germânica, porém, foi além do papel secundário que cabia às mulheres no século 19. Dona Leopoldina foi uma das principais articuladoras da Independência. Inteligente e perspicaz, previu, antes de dom Pedro, o rompimento entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Em 1821, já havia-se decidido pela causa brasileira, mas temia o despreparo do marido para governar e decidir o futuro político da nação. “O príncipe está decidido, mas não tanto quanto eu desejaria”, confidenciou ao amigo major Schaeffer – o agente que José Bonifácio enviara para a Europa buscar colonos e soldados alemães.
Era regente do país e presidente do Conselho de Estado quando assinou a recomendação para que dom Pedro declarasse a independência do Brasil, em setembro 1822. “O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece”, aconselhou. Também foi por influência dela que o país foi oficialmente reconhecido no exterior como nação livre, três anos mais tarde. “O povo amava a imperatriz e, por toda a parte aonde ela ia, era recebida com júbilo”, anotou um observador europeu. “O Brasil deve à sua memória gratidão eterna”, escreveu o conselheiro Vasconcelos de Drummond.
Embora ela estivesse dentro do círculo que planejava o assentamento de colonos e o recrutamento de militares – e mais tarde tenha recebido o título de “mãe da imigração alemã no Brasil” –, a ideia de trazer alemães para o país não foi sua. O projeto era de seu grande amigo, José Bonifácio. Seus dois secretários também estavam ligados a projetos coloniais. E ambos tinham origem germânica. Schaeffer e Johann Martin Flach eram sócios num empreendimento na Bahia. Em 1821, eles haviam recebido terras devolutas e instalado algumas famílias alemãs em Viçosa. Esperavam produzir café sem o trabalho escravo. Próximo dali, alguns anos antes, outro alemão, o naturalista Georg Wilhelm Freyreiss, havia fundado a colônia de Leopoldina com objetivo semelhante. As fazendas na Bahia serviram como experimento para os assentamentos criados mais tarde na região Sul, a partir de 1824.
A imperatriz, porém, não chegou a ver o sucesso alcançado por São Leopoldo, a colônia gaúcha que recebeu esse nome em sua homenagem. O nome da imperatriz tinha origem no santo padroeiro da Áustria, são Leopoldo, que viveu no século XII. Em dezembro de 1826, com dom Pedro I em campanha militar no Rio Grande do Sul, dona Leopoldina estava, mais uma vez, no comando do país. Nesse período, ela adoeceu, abortou um feto e morreu após nove dias de agonia. Tinha apenas 29 anos. Nas palavras do cronista alemão Carl Seidler, que viera para o Brasil dentro do projeto de imigração, “caíra o mais lindo diamante da coroa brasileira”. A escritora inglesa Maria Graham, sua amiga e confidente, lamentou a perda da “mais gentil das senhoras, a mais benigna e amável das princesas”.