Pioneiro em transplantes cardíacos no Rio Grande do Sul e referência em cirurgia cardiovascular em toda a América Latina, Ivo Abrahão Nesralla morreu aos 82 anos nesta quarta-feira (16), em Porto Alegre, de parada cardíaca. Ele estava em casa e chegou a ser socorrido ao Hospital Moinhos de Vento, mas faleceu às 10h30min.
Nesralla foi autoridade em áreas que lidam com o coração de formas diferentes. Além de ter sido fundador, cirurgião e presidente do Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC), também presidiu a Bienal de Artes Visuais do Mercosul por quatro anos e a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) durante 23 anos.
O porto-alegrense levava a paixão por música clássica para dentro da sala de cirurgia: escutava Johann Sebastian Bach em uma fita cassete enquanto operava corações no número 395 da Avenida Princesa Isabel. Embalado pelas sinfonias do compositor alemão, acabou responsável por uma nova era de transplantes cardíacos no país.
Foi Nesralla quem retomou esse tipo de cirurgia no Brasil — houve uma pausa no procedimento em razão de problemas da rejeição do órgão. Fez o primeiro transplante de coração no Rio Grande do Sul, em 1984, o quarto do Brasil. O cirurgião cardiovascular Paulo Prates, 80 anos, estava com ele.
— Ele foi um pioneiro em tudo, e em uma época muito difícil. O que mais me impressionava era o espírito corajoso: a verdadeira coragem de quem tem medos e enfrenta eles — destaca.
Formado em 1962 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Nesralla fez, oito anos depois, a primeira operação de ponte de safena no Estado. Foi também uma das primeiras no Brasil.
Em 1973, empregou pela primeira vez no país a técnica da hipotermia profunda para cirurgias cardíacas, e implantou o primeiro coração artificial na América Latina em 1999. No ano seguinte, realizou a primeira cirurgia robótica cardíaca da América Latina.
Chamado de "professor" até por colegas, ele foi docente titular de cirurgia cardíaca da UFRGS. Foi também membro titular das academias Sul-Riograndense e Nacional de Medicina. Nesralla recebeu a Comenda da Ordem do Mérito Cultural das mãos do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em 2001, e, em 2015, a Medalha do Mérito Farroupilha, distinção máxima da Assembleia Legislativa gaúcha.
A Direção da Fundação Universitária de Cardiologia - Instituto de Cardiologia divulgou nota destacando que “seu espírito pioneiro reacendeu a cirurgia de transplante de coração em nosso país e sua liderança foi fundamental para cumprirmos a nossa missão de assistência, ensino e pesquisa”.
Presidente da Ospa por 23 anos
Nersralla presidiu a Fundação OSPA em dois períodos, de 1983 a 1991 e de 2003 a 2018. O maestro Evandro Matté teve sua entrada na orquestra, como trompetista, assinada por Nersalla há 30 anos. Ele conta que o porto-alegrense foi uma das principais vozes contra um projeto de extinção da Fundação Ospa e que lutou como pode pela construção da sede da orquestra.
— Ele deixa como mensagem a importância da cultura para nossa sociedade. Quando ele visitava outros Estados, repetia aquela frase do Erico Verissimo para se apresentar: "eu venho de uma cidade que tem uma orquestra sinfônica" — acrescenta.
O atual presidente da Fundação OSPA, Luis Roberto Andrade Ponte, afirma que seu antecessor "foi um apaixonado pela OSPA e pela música de concerto" e que "durante os 23 anos em que esteve à frente da Fundação, dedicou-se intensamente para consolidar a orquestra como uma das mais importantes do nosso país".
A secretária da Cultura, Beatriz Araujo, também se pronunciou sobre a morte do ex-presidente:
— A figura do Dr. Ivo Nesralla, por muitos anos, esteve associada à OSPA. Foi um período em que a Orquestra experimentou avanços e se tornou ainda mais conhecida nas salas de concerto do Brasil.
O velório vai ocorrer nesta quinta-feira (17) no Cemitério da Santa Casa, capela 6, das 8h às 11h. Em razão da pandemia de coronavírus, haverá restrições de entrada: serão permitidas até 10 pessoas por vez.
Ivo deixa a mulher, Paulita, os filhos Ivo, Carlos e Paula, também cirurgiã cardíaca, e netos.