A Comarca de Canoas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) condenou dois homens por discriminação de nacionalidade na última sexta-feira (24). O crime ocorreu em junho de 2015, quando os acusados abordaram e constrangeram haitianos em um posto de gasolina. Um dos réus também foi penalizado por uso de símbolo militar. O caso foi registrado em vídeo e repercutiu nacionalmente.
A ação do Ministério Público foi analisada pela juíza Patrícia Pereira Krebs Tonet, da 2ª Vara Criminal local. O réu Daniel Barbosa de Amorim recebeu pena de seis anos de reclusão, e Alex de Jesus da Silva, de dois anos e seis meses. Os condenados vão prestar pena no regime semiaberto. Alex teve a pena substituída por prestação de serviços à comunidade.
De acordo com sentença da magistrada:
"Dispensável qualquer justificativa para o teor do vídeo produzido e divulgado. Longe de apenas chamar a atenção para problemas sociais como desemprego e imigração, seja ela legal ou ilegal, os réus expuseram as pessoas (antes de imigrantes) à situação altamente vexatória, constrangedora, discriminatória, em razão de sua nacionalidade."
A ação foi filmada por Alex com o celular. O vídeo mostra Daniel abordando Flaubert Brutus, 25 anos, com a frase "De onde cê é, irmão?", cobrando a vítima por estar trabalhando enquanto milhares de brasileiros estão desempregados. Ele diz, em tom irônico, que o estrangeiro é uma pessoa de sorte e competência. O imigrante parece não entender o que está sendo falado e, entre respostas monossilábicas, segue trabalhando. Outro haitiano, Iveno Genestant, primo do frentista, também é importunado, mas escapa do interrogatório.
Daniel veste roupa camuflada e usa um pingente com símbolo do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) do Rio de Janeiro, agindo com postura intimidadora. Em diversos momentos, ele pergunta para o frentista se ele tem treinamento militar ou de guerrilha. Em dado momento, afirma encarando a câmera "Meu irmão, a gente já tá em guerra".
De acordo com a decisão da Juíza, os haitianos foram alvo de ironias e acusações inconsistentes "que sequer compreendiam de forma clara", extrapolando o direito à liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal. Depois do episódio, as vítimas sumiram. Conforme a juíza Patrícia, há a suspeita de que o sumiço seja consequência do alarde decorrente (pedidos de entrevistas, críticas negativas e favoráveis).
Sobre o uso da insígnia do BOPE, a juíza destacou que, mesmo que o material possa ser comprado em lojas especializadas, não pode ser usado indevidamente. "Ainda que se admitisse tal possibilidade, evidentemente que a viabilidade de aquisição não torna atípica a conduta de quem utiliza indevidamente o logotipo da polícia, especialmente do BOPE, sabidamente pertencente a órgão público."
Ainda cabe recurso da decisão.
O caso
Em junho de 2015, circulou na internet um vídeo em que um homem, identificado como Daniel Barbosa, aborda o frentista. Ele ironiza a presença dos estrangeiros, dizendo que eles tem "sorte" por estar empregado quando o Brasil passa por uma situação tão difícil de desemprego.
Em entrevista ao portal Terra, na ocasião, Daniel negou que o vídeo seja uma ação xenófoba ou discriminatória. Ele alegou que se tratava apenas de uma investigação para saber se a vinda do estrangeiro estava ligada a uma possível implantação de um regime de esquerda no país, com a ajuda de paramilitares.