Depois de fechar a ala de neurologia do Hospital Centenário no fim de setembro, a prefeitura de São Leopoldo estuda enxugar ainda mais estrutura da entidade. Em seis meses, a ideia é manter apenas o atendimento de urgência e emergência dos pacientes, além do setor de oncologia. A situação ocorre em meio a um déficit financeiro do município e parcelamento de salários dos servidores desde agosto de 2014.
O local atende 6 mil pessoas de 18 cidades da região por mês. O custo mensal é de R$ 9 milhões – há ajuda de R$ 2,3 milhões da União e de R$ 235 mil do governo estadual. Diante da crise da prefeitura, o déficit do hospital beira os R$ 6 milhões – o passivo chega a R$ 40 milhões.
O rombo do Centenário impacta o orçamento já deficitário da prefeitura, que terminou 2016 com R$ 200 milhões no vermelho. Parte do valor pendente referia-se à folha de pagamento de dezembro e ao 13º salário dos servidores, já quitados. A previsão do município é de fechar as contas, ao fim de 2017, com déficit de R$ 100 milhões. O 13º será pago com a ajuda de um empréstimo do Banrisul.
– Acho que esse processo se agravou no último período por conta da crise nacional. Decaiu muito a receita, aumentou a inadimplência. Com o desemprego, o sujeito tira o filho da escola privada e vai para a pública. Não tem mais como pagar o plano, vai para a saúde pública. Sempre em momento de crise, os municípios elevam despesa e diminuem receita – diz o secretário de Gestão e Governo, Marcel Frison.
A partir de outubro de 2016 até o mês passado, o governo estadual deixou de repassar, por mês, R$ 180 mil à prefeitura para custear a neurologia do Centenário. O secretário estadual da Saúde, João Gabbardo, diz que negociava o repasse dos atrasados e que o município abriu mão da especialidade antes de se chegar a um acordo. E critica a gestão da entidade:
– O Estado não tem obrigação de custeá-lo, mas de pagar por procedimentos médicos realizados. O Centenário tem custo muito alto de pessoal, baixa produtividade.
Frison diz que o município buscará na Justiça os valores não pagos pela prestação do serviço de neurologia em 2016 e 2017. Sobre a administração do hospital, pondera que, como os servidores são estatutários, com estabilidade, vantagens e benefícios foram se acumulando ao longo dos anos, o que provocou o inchaço da folha.
Recebemos do Estado e da União R$ 2,5 milhões por mês enquanto outros municípios ganham R$ 6 milhões a R$ 7 milhões. Isso está levando a cidade ao estrangulamento econômico.
Ary Vanazzi
Prefeito de São Leopoldo
Conforme a secretaria estadual, nos próximos dias será definido o outro hospital que ficará com a especialidade que o Centenário desistiu de ofertar. Gabbardo diz que não há possibilidade de o governo estadual repassar mais dinheiro para o hospital e que o valor transferido para a Saúde hoje a algumas cidades foi definido ainda na gestão anterior.
A prefeitura informa que o único tributo com arrecadação positiva neste ano em relação a igual período anterior foi o IPTU. O crescimento é explicado pela expansão vegetativa da cidade e pelo fato de o valor ser fixo, sem variação conforme o desempenho da economia, como o ISS e o ICMS.
Para o próximo ano, há expectativa de aumento de 0,45% no repasse do ICMS pelo governo estadual a São Leopoldo. Apesar da pequena variação, o reajuste é comemorado pela prefeitura, já que, pelo menos, não haverá recuo dessa receita.
Atualização do IPTU para elevar receita
As secretarias da Fazenda e de Gestão de São Leopoldo preparam uma série de projetos que visam aumentar a arrecadação e diminuir as despesas. Está em estudo proposta para atualização a planta do IPTU, defasada desde o início da década de 1980 – o impacto financeiro e os detalhes da ideia não foram divulgados.
Outra medida será renegociar grandes contratos com os terceirizados. Para não extrapolar o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal e não aumentar os gastos com a folha de pagamento (R$ 20 milhões por mês frente receita de R$ 21 milhões), o prefeito Ary Vanazzi também publicará decreto limitando as contratações a áreas essenciais, como a saúde, e as horas extras na administração direta.
Com o orçamento deficitário e sem dinheiro, a prefeitura pretende fazer investimentos com verbas de empréstimos, já que tem capacidade de endividamento. O município pretende captar recursos com bancos públicos e de desenvolvimento para obras de saneamento, asfalto e drenagem.
– Estamos com muitas dificuldades, mas não é o fundo do poço. Vamos trabalhar com a ideia de equilibrar receitas e despesas em 2018 e já queremos colocar em dia a folha em janeiro do ano que vem com os recursos do IPTU – diz Marcel Frizon, secretário de Gestão e Governo.
Ex-diretor propõe atuar com convênios
Para conseguir equilibrar as contas e sanar o passivo de R$ 40 milhões do Centenário, o vereador Júlio Galperim (PSD) sugere que a abertura de atendimento a pacientes de convênios e particulares.
Ex-diretor da entidade, Galperim afirma que seria necessário aporte de R$ 700 mil para as reformas. O secretário de Gestão e Governo, Marcel Frison, reconhece que a ideia de Galperim é importante, mas alerta não haver verba para as reformas necessárias, orçadas em cerca de R$ 10 milhões, segundo a prefeitura. Hoje, somente a folha dos 860 funcionários do Centenário é de R$ 5 milhões.
As indefinições e o rombo no orçamento do hospital afetam diretamente o atendimento a pacientes. Morador de São Leopoldo há 33 anos, o fotógrafo Valdir Simplicio teve de esperar por 12 horas para que seu padrasto fosse atendido na neurologia do Centenário no dia 5 de setembro, época em que o setor estava fechado somente a pacientes de outras cidades.
– A enfermeira chegou e disse para minha mãe que não tinha neurologista. Comecei a entrar em contato com a Secretaria de Saúde e com vereadores, que entraram em contato com o prefeito. Depois disso, eram 23h30min quando o neuro foi me atender – disse Simplicio, que afirmou ter esperado pela consulta com outros quatro pacientes na sala de espera.
O Centenário contesta a história e afirma que o doente teve acompanhamento até ser atendido pelo neurologista. A reclamação, diz o hospital, pode estar relacionada ao tempo em que o paciente esperou entre um exame e outro.
Só os professores são pagos em dia
Incomodados com os parcelamentos dos salários, os servidores municipais convocaram greve em 2014 (cerca de 10 dias) e em 2015 (dois meses). Provocada pelo Sindicato dos Municipários, a Justiça expediu há três anos liminar mandando a prefeitura pagar em dia, mas a administração recorreu. O processo está em segunda instância.
Com recursos do Fundeb, os professores são os únicos que recebem integralmente o salário no último dia útil de cada mês. O restante é pago de forma parcelada.
Segundo o sindicato, neste mês, mesmo com o parcelamento em vigor, a prefeitura começará a pagar o aumento de 5% acordado com os servidores no início do ano. Aos funcionários públicos, não foi dada previsão de quando a folha será paga em dia novamente.