O Brasil ainda não ganhou um Nobel, mas acaba de ser agraciado com dois Ig Nobel, a paródia do conceituado prêmio que homenageia pesquisas que, apesar de parecerem esdrúxulas, são aquelas que "primeiro fazem rir e depois, pensar", como explicam os organizadores.
A láurea de Biologia vai para a descoberta de um inusitado inseto de cavernas que tem o sexo trocado - machos têm vaginas e fêmeas, pênis. A de Nutrição vai para um trabalho que identificou que uma espécie rara de morcegos desenvolveu preferência por sangue humano.
Parecem brincadeira, mas são pesquisas sérias. A dieta do morcego vampiro, por exemplo, trouxe à tona um cenário de desequilíbrio ambiental. O trabalho, publicado em dezembro de 2016 na revista Acta Chiropterologica por um trio da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi o primeiro relato de sangue humano na alimentação da espécie Diphylla ecaudata.
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O morcego de perna peluda era conhecido por se alimentar só do sangue de aves. Se ele passou a avançar sobre humanos é porque há algo errado na oferta natural de presas.
O biólogo Enrico Bernard, líder do grupo, admite que o resultado do trabalho, que envolve coletar fezes do morcego e fazer a análise de DNA das presas, é engraçado. Ele diz que ficou gargalhando o dia inteiro quando soube do prêmio.
— Perguntei qual era a categoria e disseram Nutrição. Ri mais ainda — contou à reportagem.
— Mas é uma descoberta que traz uma reflexão. Esse animal só deveria consumir sangue de aves. E não encontramos DNA de nenhuma ave nativa, só de galinha, e de gente. ê sinal de defaunação e antropização da Caatinga, onde ele vive — explica.
Com bom humor, Bernard diz que agora vai acrescentar na assinatura de seu e-mail que ele é um "orgulhoso ganhador do Ig Nobel".
— Neste momento de crise financeira da ciência brasileira, estamos mesmo precisando de bom humor. Dois prêmios neste ano. Estamos lavando a égua — brinca.
Sexo trocado
A segunda láurea brazuca vai para o ecólogo Rodrigo Ferreira, da Universidade Federal de Lavras, que descobriu quatro espécies de inseto da ordem Psocodea, que vivem em caverna, cuja fêmea tem pênis e o macho tem vagina, algo que parece impensável em termos de Biologia. O trabalho foi publicado na revista Current Biology em 2014.
Para a pergunta imediata - "mas como vocês sabem que quem tem a vagina não é a fêmea e quem tem pênis é que é o macho?" -, o pesquisador explica com toda a paciência do mundo:
— Em Biologia, e vale lembrar que várias espécies não têm genitália, se convencionou definir o gênero pelo tamanho do gameta (óvulos e espermatozoides). As fêmeas produzem os gametas maiores e os machos, os menores. ê isso que separa gênero.
Ah, tá. Mas e como fica o sexo, então?
— É a fêmea, com o órgão erétil, que penetra a vagina do macho e ele pressiona o esperma para dentro do pênis dela — conta Ferreira.
— Houve uma inversão da seleção sexual aqui, temos os machos selecionando. Por que será que houve essa inversão? Que tipo de processo pode ter levado a isso — questiona o pesquisador.
Além dos dois prêmios, outros oito foram distribuídos nessa quinta-feira (14) em concorrida cerimônia no Teatro Sanders, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.