Depois de cinco anos de tentativas frustradas em licitar a maior parte das rodoviárias, principalmente as de cidades pequenas, o governo prepara um novo pacote de editais, em que vai inaugurar uma modalidade: as agências rodoviárias. Com poucas exigências, administradores desses espaços poderão ser donos de farmácias, lotéricas ou qualquer tipo de estabelecimento, desde que tenham um computador com o sistema de emissão de passagens.
A sugestão veio de um trabalho de três anos de consultoria contratado pelo Estado e cujo principal resultado foi a criação do plano diretor do transporte público, que foi sancionado como lei em janeiro do ano passado e contempla a implantação das agências.
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Os parâmetros que determinarão quais municípios terão agência ou manterão uma estação rodoviária (entenda as diferenças no infográfico abaixo) ainda dependem de um decreto regulamentador – cujas minutas ainda estão em análise no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), para depois serem analisadas pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e, então, homologadas pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs).
Entenda as diferenças entre estações e agências rodoviárias
Certo é que as agências serão instaladas em cidades pequenas, com baixa movimentação de passageiros. Isso porque, atualmente, o administrador de uma rodoviária ganha 11% de cada passagem vendida e 15% sobre despacho de encomendas. Isso inviabiliza o negócio em cidades pequenas, com baixo fluxo de passageiros, e também onde a maior parte dos deslocamentos é para trechos curtos, com bilhetes mais baratos. Por outro lado, o concessionário precisa manter um terminal rodoviário que, conforme a categoria da estação (vai de 1 a 4, de acordo com o fluxo de pessoas), deve ter restaurante, número mínimo de banheiros e de boxes, entre outras exigências. Nesse sentido, a intenção com as agências é atrair novos interessados, que poderão aliar a atividade a um negócio já existente, sem necessidade de manter um terminal.
A estimativa é de que sejam 120 editais, um para cada município – podendo incluir lugares que hoje não contam com terminais de venda de passagem –, a serem lançados até o fim deste ano.
– Com a proposta, temos condições de cobrir todas as regiões do território gaúcho com rodoviárias – afirma Lauro Hagemann, diretor de Transportes Rodoviários do Daer.
Presidente do sindicato gaúcho de Agências e Estações Rodoviárias do Estado (SAERRGS), Nelson Noll lembra que, quando a entidade foi criada, há 60 anos, só existiam agências no Estado. Com o crescimento do sistema de transporte público, os terminais também foram ampliados e acabaram virando todos rodoviárias. No entanto, Noll aponta que. nos últimos anos, a procura por ônibus caiu e, como os comissionamentos se mantiveram os mesmos, pequenas estações se tornaram deficitárias.
– Rodoviárias de 4ª categoria faturam abaixo de R$ 2 mil por mês, o que não dá nem pra ter um funcionário. Em compensação, tem que abrir sábado, domingo e feriado – afirma o presidente. – De um lado, as exigências são cada vez maiores (obras de acessibilidade, por exemplo), mas a rentabilidade é cada vez mais baixa – completa.
Assessor técnico da área de trânsito da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Roberson Cardoso, vê com bom bons olhos a iniciativa das agências, que, segundo ele, pode ser a solução para encontrar interessados em administrar a venda de passagens.
– O dono pode aliar o negócio dele a outro, e ainda ter mais visibilidade para o seu comércio – afirma Cardoso.
Além disso, o assessor observa que, do ponto de vista dos municípios, também é "melhor ter rodoviária do que não ter nada", ou mesmo a prefeitura ter de assumir uma responsabilidade que não é dela.
Diante do prejuízo, rodoviárias fecham as portas no RS
Nos últimos cinco anos, 160 rodoviárias fecharam as portas, obrigando os passageiros a comprarem a passagem dentro do ônibus, sem garantia antecipada. Uma delas fica em Nova Petrópolis. Com 20,5 mil habitantes, a cidade serrana recebe 1 milhão de turistas por ano – no entanto, a grande maioria não costuma chegar de ônibus. Alegando baixo retorno financeiro e muitas exigências, em maio de 2014, depois de 40 anos à frente da administração, o concessionário parou de vender passagens.
O Daer abriu duas licitações, mas nenhuma teve interessados. Diante da mobilização dos moradores, indústrias, comerciantes e taxistas, a prefeitura resolveu fazer uma parceria público-privada para pagar o aluguel e a limpeza do terminal – que custa R$ 12,9 mil mensais –, com o objetivo de manter o ponto para embarque e desembarque. A solução foi emergencial, mas segue em prática três anos depois.
A resolução definitiva pode estar na transformação da rodoviária, que atualmente é de categoria 4, em uma agência. Nesse caso, caberia à prefeitura definir um novo local para os ônibus pararem para os passageiros. A ideia – cuja execução dependerá da regulamentação da lei estadual – soou bem ao secretário municipal adjunto da Fazenda, Gerson Gebhardt:
– O local atual da rodoviária é bom, central, tem bastante lojas e lancherias, além de cobertura para os passageiros não se molharem, mas os moradores não podem comprar passagem antecipada, se programar. A prefeitura não descarta fazer um "paradão" em outro lugar, caso tenha um lugar que venda as passagens.
Novo pacote mais à frente
Nas demais cidades, que não terão agência e onde não houve ganhador nas 274 licitações lançadas em 2012 – 72% delas fracassaram ou não tiveram interessados –, também haverá novos editais.
Parte deles será lançada junto com as agências (rodoviárias de categoria 3 e 4, também de cidades pequenas), e as demais constarão em outro pacote (categorias 1 e 2, cidades médias e grandes). O Daer aposta na redução das exigências, diminuindo a categoria das estações, para atrair mais interessados.
– São poucos municípios de 1ª e 2ª categorias que não possuem contratos novos, na maioria dos casos houve judicialização do processo licitatório, desta forma achamos melhor aguardar o andamento destas ações e focar nas que não tiveram interessados ou que os interessados não conseguiram se habilitar – explica Hagemann.
É o caso de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, que, com 70 mil habitantes e intensa movimentação de moradores entre as cidades vizinhas, possui uma rodoviária de categoria 2, considerada de médio porte. A licitação local está tramitando na Justiça há mais de quatro anos.
O processo envolve a empresa dona do prédio e a que tem a concessão da venda de passagens. Para que o serviço não paralisasse, o Daer concedeu uma autorização provisória, que permite que a atual concessionária siga operando. No entanto, a situação emperra que a rodoviária receba investimentos. Uma reforma prometida em 2015, por exemplo, que melhoraria o trânsito e revitalizaria as salas comerciais, não saiu do papel, informa um servidor da prefeitura.